Entre a Hamasland e a Fatahland quem perde é o povo palestiniano

Hamdan Aldamiri, militante palestiniano — 27 Novembro 2007

palestina4_72dpi.jpgDia a dia sucedem-se os acontecimentos trágicos. No passado 13 de Novembro, em Gaza, deu-se uma viragem nas relações interpalestinianas e nomeadamente entre os dois grandes movimentos: a Fatah e o Hamas.
Sete mortos, 120 feridos e 400 presos são o resultado da intervenção das milícias armadas do Hamas contra os palestinianos que se deslocaram para comemorar o terceiro aniversário da morte do seu líder histórico, Yasser Arafat.

É forçoso constatar que o Hamas se obstina na lógica securitária. É essa a atitude deste movimento desde 14 de Junho, dia em que tomou controle da Faixa de Gaza depois de ter travado uma batalha relâmpago contra as instituições de segurança palestinianas controladas, como se sabe, pela Fatah.
Esta tomada de poder pela força mergulhou os palestinianos numa nova era de despedaçamento que os afasta dos seus interesses nacionais, pelos quais centenas de milhares dos seus se sacrificaram até hoje para os preservar e fazer triunfar.

Como que se chegou a isto?

No que diz respeito à Fatah, desde os acordos de Oslo, no começo dos anos 90, este movimento entrou numa fase de intensificação da burocracia confundindo-se totalmente com a autoridade palestiniana; os seus militantes eram nomeados para os diferentes ministérios e principalmente para as nove instituições de segurança. A sua direcção favoreceu um processo progressivo de total despolitização. As 120 mil pessoas colocadas na função pública (polícias, funcionários, diplomatas, ministros…) vieram todas das fileiras da Fatah ou dos seus próximos. Ficaram absorvidas no aparelho institucional enquanto o campo político era assunto de uma minoria de dirigentes, apesar de o poder da autoridade palestiniana, na base dos acordos de Oslo, ser inteiramente fictício por estar privado de qualquer soberania real. Em contrapartida, os interesses gerados por tal poder, esses eram bem reais. (Mais de metade do orçamento anual da autoridade palestiniana era consagrado ao pagamento dos salários desses funcionários).

palestina1.jpgComo podia então a Fatah preservar a sua independência e continuar, como sucedia antes, a garantir aos seus membros as vantagens de uma vida política interna? Lembremos que este grande movimento não realizou nenhum congresso nacional desde meados dos anos 80. Não é de admirar, assim, a falta total de funcionamento democrático nas suas fileiras. Em tais circunstâncias, perder o poder por via das eleições pode arrastar reacções contrárias à democracia e ao seu funcionamento (por exemplo, o princípio da alternância no poder).

Para mais, a gestão da autoridade exercida pela Fatah foi dominada por um processo progressivo de corrupção. Este fenómeno, sentido no dia a dia pela população palestiniana dos territórios ocupados, contribuiu em grande parte para a perda das eleições de 25 de Janeiro de 2006. O resultado das eleições pode ser considerado o que se chama um “voto de protesto”.

No entanto, enquanto a corrupção progredia, o processo de Oslo gerava simultaneamente no terreno uma regressão tornando a vida do povo palestiniano cada dia mais difícil; porque, no plano político, longe de constituir um esboço de solução do conflito, o processo de Oslo só conseguiu complicar as perspectivas de uma paz justa.

Para manter os privilégios do pode que perdeu nas eleições de 25 de Janeiro de 2006, a direcção da Fatah fez tudo para impedir o lado ganhador (o Hamas) de governar normalmente. Para isso, foi ajudada pelas potências exteriores (EUA, UE, etc) e sobretudo pela política israelita. O homem forte da Fatah em Gaza, Mohammed Dahlan, usou as diversas forças de segurança ligadas à autoridade palestiniana para entravar o trabalho dos membros do governo do Hamas saído das eleições. Foi este o começo de uma situação de conflito político aberto entre as duas partes.

palestina2_72dpi.jpgNo que respeita ao Hamas, em nenhum momento ele quis realmente partilhar o poder com as outras tendências. Nas negociações que conduziu com os outros partidos faltava uma verdadeira disposição da sua parte para a partilha de responsabilidades governamentais. Para mais, o Hamas nunca mostrou uma verdadeira vontade de integrar a OLP e de participar na sua reconstrução (assunto em espera) para que ela se torne o quadro político e institucional realmente representativo do conjunto dos palestinianos. Esta atitude mostra que este movimento ainda não integrou na sua cultura a lógica do consenso político.

Lembremos que o seu primeiro governo comportava apenas elementos do Hamas. Quanto ao segundo, formado em Maio na sequência do acordo de Meca com a Fatah sob a égide do rei da Arábia, foi apenas uma redistribuição dos privilégios ligados ao poder. O acordo entre eles não era um verdadeiro acordo político, longe disso, para o conjunto dos palestinianos.
Isto explica que o confronto entre ambos se tornou inevitável e que, pouco tempo depois da constituição deste segundo governo, as ruas de Gaza tenham sido palco de combates fratricidas e mortíferos que causaram dezenas de vítimas.

Desde 14 de Junho, data do golpe de força do Hamas em Gaza, os dirigentes deste movimento isolam-se cada vez mais por não aceitarem uma atitude baseada na cultura do consenso político. A repressão tornou-se o único meio que utilisam não apenas contrada Fatah mas igualmente contra outras tendências palestinianas como a Jihad islâmica e a FPLP. Neste sentido, entende-se também a sua política repressiva a respeito igualmente da imprensa (encerramento de estações de rádio como “A voz do povo”, da FPLP, estações de televisão, prisão de jornalistas no contexto duma prática de intimidação, etc; interdiçã para muitas associações de levar a cabo as suas actividades e, mais grave ainda, a doutrinação dos membros do Hamas no sentido de criar entre eles uma atitude de desconfiança face a todos os outros. Ao ler os artigos do site do Hamas em língua árabe, a cultura do complô está omnipresente. A partir daí, a sua máquina de repressão encontra justificação acusando os outros de serem os responsáveis.

palestina3.jpgEsta lógica repressiva do Hamas explica a tragédia do 13 de Novembro. Seguindo por este caminho, o Hamas facilita à parte adversária (a direcção da Fatah) reacções repressivas contra os militantes do movimento Hamas na Cisjordânia. Neste momento, as forças de segurança palestinianas controladas por Mahmud Abbas prenderam perto de 500 membros do Hamas e encerraram 120 associações que asseguravam trabalho social e político nos territórios da Cisjordânia e suspenderam o pagamento dos salários de cerca de 30 mil funcionários nomeados pelo Hamas desde que está no poder.
No interesse do povo palestiniano, é urgente parar esta lógica repressiva de uns e de outros e sair deste processo de interacções destrutivas que paralisam as capacidades dos seus movimentos.

Que fazer ?

1 O Hamas deve fazer o primeiro gesto num processo de apaziguamento que consistiria em restituir os locais das diferentes instituições palestinanas (ministérios, quartéis e outras infraestruturas que ele controla) à autoridade palestiniana representada por Mahmud Abbas. Alguns movimentos palestinianos como a FPLP propuseram que essas infraestruturas seja colocadas à disposição duma terceira parte, o que poderia constituir uma solução intermédia aceitável.

2 A dissolução do governo de urgência nacional (o da Cisjordânia), presidido por Salam Fayad, porque este não tem nenhuma legitimidade institucional. Ele inscreve-se no processo das reacções iniciado por uns e por outros, face a esta crise institucional extremamente grave. O nosso povo que vive nos territórios ocupados deve ser consultado rapidamente na base dum sistema eleitoral integralmente proporcional. Isso permitirá pôr em prática um sistema político pluralista e funcional muito útil para acabar com o dualismo que bloqueia a vida política palestiniana.

3 Reconsiderar a composição de todas as instituições de segurança palestinianas, sejam na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza, porque é mais do que urgente, como mostra a experiência, iniciar uma política dita de “despolitização” destas. É preciso que elas se afastem de qualquer influência sectária e tenham uma só missão: a protecção dos cidadãos tanto no plano interno como face às exacções repetidas das forças militares israelitas.

4 Limitar o diálogo nacional a um frente-a-frente entre a Fatah e o Hamas é um erro trágico na medida em que o diálogo só pode ser nacional (juntando todas as tendências palestinianas). O acordo do Cairo, concluído entre os treze movimentos palestinianos constitui um bom ponto de partida para retomar um diálogo cujo objectivo é formar um novo governo de unidade nacional numa base pluralista e representativa de todas as tendências políticas a fim de responder da melhor maneira às expectativas da população e de fazer frente eficazmente aos desafios da ocupação.

palestina5.jpg5 Iniciar seriamente o processo de recomposição da OLP como único representante do povo palestiniano, tanto no território como na diáspora. Esta recomposição deve passar pela entrada de movimentos que não fazem ainda parte da OLP, como o Hams e a Jihad islâmica. Quanto à questão da representatividade de cada movimento nas instâncias da OLP (Conselho ancional palestiniano, Conselho central da OLP e Comité executivo) deve passar sempre que possível por um processo leitoral. São os palestinianos que devem decidir livremente dessa representatividade.

6 É preciso operar uma separação mais que necessária entre os movimentos palestinianos como forças políticas que desempenham o seu papel como tais, um ou outro capazes de aceder ao poder graças a eleições ou d ficar na oposição – e as instituições da autoridade palestiniana que devem permanecer ao serviço do conjunto dos palestinianos. Estas não devem ser propriedade de uns ou de outros, sem perder de vista que a autoridade palestiniana só tem legitimidade na base dos acordos de Oslo de 1993. A sua missão limita-se à gestão dos assuntos dos palestinianos que habitam os territórios ocupados.

7 Quanto à OLP, apenas está habilitada a gerir o dossiê político palestiniano no plano da política internacional. Enquanto representante de todos os palestinianos, o seu programa deve ser o da unidade nacional, que defende os elementos fundadores das reivindicações do povo palestiniano, a saber, o direito à criação de um estado palestiniano independente, o direito ao regresso dos refugiados palestinianos na base da resolução 194 das Nações Unidas, de 1948, e a sua representatividade a cena política internacional.

8 A esquerda palestiniana encontra-se num momento histórico da sua existência. Ela é chamada a unificar as suas fileiras com vista a constituir, ao lado do Hamas e da Fatah, a terceira via de que o povo palestiniano, mais do que nunca, precisa. As suas cinco componentes (a saber, a FPLP; a FDLP, o PPP, a FIDA e a Iniciativa nacional) devem enfim ter uma atitude de forças responsáveis e ultrapassar certas querelas de liderança. Essa união pode conseguir-se se, e só se, os seus dirigentes se mostrarem conscientes do seu papel histórico. Se não o fizerem, serão, a meus olhos, co-responsáveis pela manutenção desta situação perigosa e que pode tornar-se caótica.


Comentários dos leitores

Pitigrili 28/11/2007, 3:08

Primeiro, é preciso que sejam apresentadas contas. Que dinheiro entrou, que é feito dele, quem decidiu a distribuição, quem ficou com o que desapareceu? Como em todos os movimentos de libertação, o dinheiro da OLP era de Yasser Arafat, que o distribuia e gastava como muito bem entendia. Os sucessores não têm estaleca para isso - por isso, têm que apresentar contas.
Segundo, com Fatah, Hamas ou OLP, nada se resolve sem a admissão da realidade que Israel existe. Nem com Amadinejahd, ninguém tem força para fazer a tal Palestina do rio ao mar. Portanto, admita-se que Israel existe, está para ficar, e resolva-se a situação depois disso.
Terceiro, tanta preocupação com enquadramento político e nenhuma com económico? A Palestina vai ser um estado produtivo, ou eternamente o estado do subsídio?

Redacção 5/12/2007, 1:13

Caro Leitor:
Os factos não confirmam as suas afirmações.
Primeiro: A OLP reconheceu há anos o estado de Israel. Mas não foi isso que alterou a situação. O estado palestiniano continua por ver a luz do dia porque Israel o impede de existir, contra tudo o que é justo e contra as resoluções da ONU, recorrendo à expulsão da população palestiniana e usurpando-lhe os territórios.
Segundo: Israel é que devia ser chamado a apresentar contas, na medida em que retém os impostos cobrados aos palestinianos e não os entrega sempre que quer exercer pressão política - como aconteceu com o governo do Hamas (legitimamente eleito). Além de destruir os recursos económicos palestinianos à força de buldozer.
Terceiro: Se existe "estado do subsídio" é Israel, que recebe todos os anos, desde há décadas, milhares de milhões de dólares directamente do orçamento de estado dos EUA para o sustentar como estado e como braço armado.
Saudações,
A redacção


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