Aclarações e vigarices

Pedro Goulart — 13 Junho 2014

GovernoRuaNa sequência da declaração de inconstitucionalidade de três normas do Orçamento do Estado de 2014, que cortavam nos salários dos funcionários públicos, reduziam pensões de sobrevivência e tributavam os subsídios de desemprego e de doença, o governo e os partidos seus apoiantes, assim como o bando de assalariados e lacaios do capital que estes dispõem nos média, têm conduzido uma despudorada campanha contra o Tribunal Constitucional (e, também, contra a Constituição) que, por vezes, dada a actual situação económica e política, assume um discurso de carácter neofascista. Isto, apesar do TC ter aceitado perdoar o roubo de cinco meses de salários, pensões e subsídios, já este ano perpetrado pelo governo de Passos Coelho.

Recordamos que a Constituição da República Portuguesa de 1976 (sete vezes revista) não é nenhuma Constituição revolucionária, que foi elaborada já depois do golpe de direita do 25 de Novembro e consagra a nova ordem burguesa então estabelecida. Contudo, dada a correlação de forças existente na altura da sua elaboração, a Constituição da República continha princípios marcadamente progressistas. E que, mesmo após as diversas revisões efectuadas, ainda conserva alguns princípios que podem constituir estorvo à livre intensificação da exploração capitalista em Portugal.

A afirmação de Passos Coelho de “Como é que uma sociedade (…) pode conferir tamanhos poderes a alguém que não foi escrutinado democraticamente”, referente aos juízes do TC, apresenta um conjunto de argumentos indigentes e aparentemente ignorantes, mas insere-se efectivamente nesse discurso neofascista que vai fazendo algum caminho em certos sectores da sociedade portuguesa. Ora, o manhoso primeiro-ministro não sabe que estes juízes foram escolhidos pelos deputados eleitos da Assembleia da República, em particular pelos do PSD? E que os outros juízes e tribunais (que protegem a ordem burguesa vigente) não são submetidos a qualquer tipo de escrutínio democrático? Quer dizer, o que Passos Coelho pretende (mas não se atreve a dizê-lo claramente) é chantagear os juízes do Constitucional e dispor de um conjunto de marionetas de serviço, desde a Presidência da República ao Tribunal Constitucional, que permita às classes burguesas exercerem mais à vontade uma eficaz gestão dos interesses do capital.

Também, o pedido de aclaração do acórdão do TC apresentado pelo Governo de Passos Coelho não assenta numa base legal, pois desde 2013 não há pedidos de aclaração, dada a alteração feita no Código do Processo Civil pela actual ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz. Assim, este pedido não pode ser atribuído à ignorância ou à incompetência dos numerosos juristas assalariados do poder, mas deve-se, sobretudo, à má-fé de políticos vigaristas (habituados às negociatas nas Tecnoformas deste País) instalados no governo e é mais um elemento da campanha governamental de chantagem e intoxicação contra o Tribunal Constitucional e a actual Constituição.


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