“Está em formação uma enorme onda de descontentamento”

7 Novembro 2007

fraposo1_72dpi.jpgSurpreendeu-te número de pessoas que a manifestação de 18 de Outubro trouxe à rua?

FRANCISCO RAPOSO Sim, porque foi patente que o esforço da mobilização foi menor agora que, por exemplo, em Novembro passado. Mas, por outro lado, nos plenários que realizámos na Câmara Municipal de Lisboa e Empresas Participadas tive um sinal interessante: em muitos sectores onde existem dificuldades de trabalho sindical, os plenários estiveram concorridos e participados e muitos trabalhadores manifestaram o compromisso de estar presentes. Na verdade, o número de trabalhadores da CML foi muito acima do normal.

A que se deveu tamanha adesão?

FR A razão principal é o crescente sentimento de revolta contra a injustiça social. Por todo o lado, nos locais de trabalho, nos cafés, nas lojas, nos transportes, basta estar atento para nos apercebermos da enorme onda de descontentamento que está em formação. São sem dúvida as medidas do governo, mas também os sucessivos escândalos – como o da dívida do filho do Jardim Gonçalves – que reintroduziram no dia a dia um conceito que estava “escondido” – as classes sociais, “os que têm” e “os que não têm”, os explorados e exploradores, as duas faces da justiça…

Os protestos que se iniciaram há um ano estarão de novo em crescendo?

FR Estes últimos escândalos fragilizaram a classe dominante, na sua exigência da destruição dos serviços públicos. A exigência de “menos Estado” esbarra com a experiência concreta de ter um centro de saúde ou uma urgência hospitalar fechada, por exemplo. A chamada “reforma do Estado”, a alteração do Estatuto da Carreira Docente, vão seguramente continuar a movimentar trabalhadores do sector público e professores mas também as populações que sentem o efeito destas reformas nas suas vidas. Outros sectores, como o ensino superior, podem também entrar em ebulição.

Em contraste com esta mobilização, as lutas nas empresas continuam a ser débeis e de certo modo timoratas. Porquê este desfasamento? Onde estão as fraquezas?

FR Penso que esse problema se centra fundamentalmente na estratégia errada da Direcção da CGTP de apostas na concertação social e nas instituições do sistema. E isso decorre de um outro problema, para mim central. É que os programas políticos quer do PC como do BE não rompem os limites do actual sistema. O que significa que os seus militantes no movimento sindical, não têm as ferramentas ideológicas para verdadeiras mobilizações de classe. Obviamente que existem problemas orgânicos graves, nomeadamente o burocratismo e falta de vida interna democrática nos sindicatos, isso leva a uma falta de implantação nas empresas, ou quando existe, a adaptação ao local da concertação social.

Não existem também, entre os trabalhadores, dificuldades em travar lutas mais destemidas, por receio de represálias? Como reforçar a resistência nas empresas?

FR Ninguém tem, neste momento, soluções mágicas. Um passo necessário é a organização sindical nos locais de trabalho e a luta pelo funcionamento democrático de todas as estruturas sindicais. Outro ponto necessário é a promoção da solidariedade entre trabalhadores, que é uma das mais antigas e estratégicas ferramentas que os trabalhadores têm. As lutas que decorrem dentro dos perímetros das empresas necessitam de sentir a solidariedade de outros trabalhadores. O isolamento das lutas serve obviamente o patronato, mas também as burocracias sindicais dominantes. Por outro lado, a solidariedade activa promove a troca de experiências e o elevar de consciência. E isso ajuda a resistência.

Depois de ter trazido 200 mil pessoas para a rua, que vai fazer o movimento sindical? Não pode ficar na defensiva…

FR Infelizmente a CGTP já deu o mote ao apresentar a sua proposta reivindicativa para 2008 antes desta acção, cuja medida mais arrojada é o aumento do salário mínimo de 5,6%!
A verdade é que a Central está sujeita a enormes pressões, sendo que a linha dominante pretende “uma política diferente” mas no estrito quadro das relações de produção existentes e as linhas minoritárias alinham todas no reforço da “moderação” e do”sindicalismo de resultados”, isto é, à direita. O discurso do “realismo”, das condições económicas, reforça as ilusões sobre eventuais reformas positivas.
Mas nas bases activas dos sindicatos acentuam-se as pressões para uma acção mais combativa que exija não o “possível” mas o necessário. A defesa do salário mínimo de 500€, como forma de aproximação ao salário mínimo médio da Europa, extensível aos precários, desempregados e reformados, feita organizadamente pelos sindicatos e organizações de trabalhadores, a luta contra os despedimentos e encerramento de empresas e a criação de uma rede de solidariedade, a organização da luta contra o desmantelamento de serviços públicos seriam passos importantes para preparar a necessária ofensiva dos trabalhadores.

Está na hora de exigir a demissão do Sócrates?

FR Essa é, para mim, uma questão central. É preciso ser claro e dizer, não quem é essa espécie de engenheiro, mas o que é ele realmente. Ele é apenas o empregado de serviço do capitalismo. O nosso inimigo é o sistema capitalista no seu todo, não o seu executor de momento. O tremendo retrocesso ideológico que os trabalhadores sofreram após a crise revolucionária de 74/75 e o colapso do “socialismo real” conduziram a que as novas gerações de trabalhadores fossem educadas no respeito pelas “instituições” e outras patranhas da classe dominante. Os partidos tradicionais dos trabalhadores e os da “esquerda da nova vaga “ mantêm-se dentro do sistema e não formam os seus militantes politicamente. Milhares de abnegados activistas de classe, nos sindicatos e fora deles, agem por instinto, sem uma clara ideia de alternativa social. Neste contexto não se vislumbra uma alternativa de esquerda para o actual Governo. Mas creio que o melhor contributo para a construção dessa alternativa é precisamente um programa combativo, independente e de classe que contraponha o socialismo dos trabalhadores à prática política do governo neoliberal do Partido dito “Socialista”. A defesa de uma economia planificada e gerida democraticamente pelos produtores e consumidores em alternativa ao caos da produção capitalista, uma democracia dos trabalhadores baseada na satisfação das necessidades de milhões em contraponto aos lucros de meia dúzia, é, na minha opinião um contributo para, não apenas o derrube de Sócrates mas para uma mudança favorável aos trabalhadores.


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