Nem viragem nem mudança

Urbano de Campos — 2 Julho 2011

arasca.jpgAs últimas eleições proporcionaram ao Capital condições para dar mais um passo no ataque ao Trabalho. A maioria de direita, que contará com o apoio do PS, dá ao patronato uma base política mais estável do que tinha com o segundo governo de Sócrates. Preparada por seis anos de governação do PS, a vitória eleitoral da direita e os seus planos mais ousados não são de estranhar, portanto. Mas, para os trabalhadores, a questão fundamental a precisar de resposta é outra.

Porque que é que a oposição de esquerda não capitalizou o descontentamento? Porque é que no meio de uma crise sem precedentes do capitalismo português (envolvido, para mais, numa colossal crise do capitalismo mundial) não se levanta uma onda de contestação do regime? Porque é que, apesar das grandes manifestações e lutas sectoriais, não se forjou do lado dos trabalhadores uma barreira eficaz às medidas de terrorismo social que vêm sendo aplicadas?

A quebra eleitoral

Os resultados eleitorais dizem alguma coisa sobre isso.
A grande perda de apoio do Bloco de Esquerda, expressa numa provável fuga de votos para o PS e para a abstenção, é sinal de que a sua linha política não foi vista, nas condições da crise que se atravessa, sequer como uma trincheira de resistência aos ataques do capital.

Ao contrário, a votação estável da CDU mostra que, para boa parte do eleitorado trabalhador, o PCP e a CGTP (as forças principais da coligação) são vistos como a trincheira de resistência que resta. Mas a estagnação que aquela estabilidade de votos também evidencia, por outro lado, revela que a linha política que ambos propõem não se mostrou capaz de concitar o apoio de uma franca maioria de trabalhadores.

Não há fórmulas mágicas para o conseguir, mas uma coisa é certa: não é possível, hoje, no meio de uma cada vez mais evidente crise do sistema capitalista (nacional e mundial) continuar a propor remédios que não ataquem o próprio sistema. Nesta ordem de ideias, falta na política portuguesa uma linha explicitamente anticapitalista, que ataque os problemas da crise a partir desse ângulo.

Uma omissão decisiva

A insistência da oposição de esquerda sobre a “incompetência” governativa, a sugestão de que a coisa iria bem com “melhores” protagonistas, a redução dos problemas a uma questão de “opções políticas”, a aceitação de que a resolução da crise passa por mais produção (quando no centro da actual crise está um excesso de produção invendável!) – limitam os horizontes dos trabalhadores e das massas populares empobrecidas, resigna-os aos factos consumados, leva-os a admitir apenas soluções dentro do quadro político do regime, quando é preciso abrir os olhos para o caos em que todo o sistema capitalista está mergulhado e para a necessidade de o colocar em causa.

Em tudo isto há, portanto, uma omissão fulcral – não é dito: o capitalismo mundial e nacional chegou a um impasse, mostra-se incapaz de responder às necessidades da maioria, todas as suas vias de resposta à crise se reduzem a sacrificar mais os trabalhadores, a solução dos problemas, mesmo os do dia a dia, passa por criar uma corrente de oposição ao sistema capitalista.

Resposta anticapitalista

Criar uma corrente de oposição anticapitalista é, portanto, condição para despertar para a luta mais sectores populares; para arrancar muita gente da inacção e do desânimo. Significa, nas actuais circunstâncias de crise do sistema social, um alargamento e não um estreitamento do campo de luta política – como se vê, de resto, pelos sinais, ainda ténues e confusos, dados pelas intervenções de rua de jovens até há pouco arredados da acção e avessos à política.
Uma tal oposição, a nosso ver, terá de assentar em pelo menos três pontos:

1. A resposta das massas trabalhadoras tem de ser dirigida contra o capitalismo.
É na decadência do capitalismo que está a origem da decadência económica, social, moral e política que atinge o país e o mundo. Os partidos políticos, as forças e as instituições do poder devem ser tratados não como o fulcro do problema, mas como os administradores do capital em crise. As soluções não podem portanto centrar-se numa substituição das equipas dirigentes, numa “correcção” dos métodos de governo, numa moralização da via política. A principal liberdade a reivindicar é a de não ser explorado; a democracia a defender é a da maioria, a da massa trabalhadora.

2. A resposta dos trabalhadores tem de ser classista.
Importa rejeitar a falácia de que trabalhadores e não-trabalhadores pertencem todos à mesma família de interesses, ou que a crise da economia capitalista é comparável à de uma economia familiar. Importa trazer para primeiro plano o facto de, em cada país, haver um confronto entre quem explora e quem é explorado. São os trabalhadores assalariados o primeiro alvo e as principais vítimas das medidas de empobrecimento. Há pois que recusar os sacrifícios impostos a pretexto de solucionar a crise económica; recusar a suposta partilha de sacrifícios como uma armadilha; defender os interesses próprios de quem trabalha contra os interesses do patronato. Só por esse caminho se poderá juntar uma força social com a dimensão e com a determinação suficientes para pôr em respeito o capital e obrigar o poder a pensar duas vezes nas medidas que queira aplicar.

3. A resposta terá de ser multinacional.
Não estamos sós na desgraça e esse facto dá aos trabalhadores força e não fraqueza. As iniciativas multinacionais, a coordenação entre forças sindicais e políticas, são passos indispensáveis para desenvolver do lado dos trabalhadores uma capacidade de resposta global correspondente à globalização já conseguida pelo capital e pelos seus instrumentos de poder.
Só essa capacidade acrescida colocará os trabalhadores ao nível dos desafios de hoje.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 2/7/2011, 14:02

Se alguma coisa este artigo peca, é por ser tardio e não se ter apercebido de que a dita esquerda que se apresentava como alternativa à política de direita, não era de facto uma força política combativa contra o capital mas sim um pequeno apêndice do sistema o qual pretendia e pretende salvar a todo o custo, com remendos, pequenos ajustes no sistema fiscal, melhoria salarial dos trabalhdores e manutenção dos direitos adquiridos. Obtidos estes propósitos, haveria condições para uma afortunada concertação com o capitalismo português que encontraria pernas para andar. Mas há que reconhecer que o revisionismo é, também ele, um inimigo do poder político exercido pela classe trabalhdora e como tal inimigo de uma nova organização da sociedade determinda pelo Estado dos trabalhadores. A este propósito já Lenine o entendera de forma muito clara em 1903, o que o levou a fazer as seguintes considerações em 1919 que cito integralmente: "O bolchevismo não teria triunfado da burguesia em 1917-1919 se entre 1903-1917 não tivesse vencido e expulsado IMPIEDOSAMENTE (sublinhado meu) das fileiras da sua vanguarda proletária os mencheviques, isto é, os oportunistas, os reformistas e os social-chauvinitas". Isto foi dito com esta clareza em Dezembro de 1919.
Ora a grande brecha no processo de luta contra o capital, foi que nunca a chamada esquerda anti-revisionista levou a sério este enunciado leninista. Não é de admirar portanto, que as massas populares e os trabalhadores em geral reconheçam uma total inoperância, que é de facto real, nas estruturas orgânicas das ditas forças políticas de esquerda e prefiram a abstenção a ter que votar naquelas múmias putrificadas.
Só agora, alguns quadros da esquerda que rompeu com o revisionismo deu conta que afinal esse corte foi mais aparente do que real e por isso navegam perplexos nos meandros das suas proprias contradições resultantes da sua fiel irmandade como revisionismo caquético do PCP e da Inter. No fundo têm aquilo que merecem e o povo português acordará se tiver a capacidade de dar um volte face a este estado de coisas e fôr capaz de encontrar finalmente o rumo certo para se libertar das amarras do capital que o asfixia e o impede de construír o seu futuro libertador da exploração. Com o capital agiota ou produtivo, o futuro está traçado na escravização, mas se entretanto, a capacidade criativa da riqueza baseada em novas formas de construção social o futuro já não será esse mas sim a sociedade da abundância que espreita por todo o lado. Parafraseando Danton cito textualmente K.Marx: Audace, plus d'audace, encore de l'audace.

manuel duarte 17/10/2011, 11:43

http://www.peticaopublica.com/?pi=PNCI2011
Agradecemos a publicação e divulgação da petição, acima referenciada.
A planta é de excelência. Contra a crise, o desemprego, a desertificação dos solos e das aldeias. Pelos Solos, o Ambiente, a Soberania e a Independência Nacional!!!
Bem hajam.


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar