Dialéctica e tabuada

António Louçã — 28 Janeiro 2011

alegre.jpgNa aritmética elementar, dois e dois são quatro. Mas a luta de classes obedece a leis que relevam da dialéctica, e não da aritmética. Nela – a luta – , dois e dois podem ser menos de quatro, mas também podem ser mais de quatro. Há somas que subtraem e há somas que multiplicam.
Vem este arrazoado a propósito das eleições que, sendo embora filhas bastardas da luta de classes e seus reflexos distorcidos, obedecem mais às leis da dialéctica do que às regularidades da tabuada. As eleições presidenciais de 23 de Janeiro são uma confirmação estrondosa disso mesmo.

Assim, ao convergirem na campanha de Manuel Alegre, o PS e o BE protagonizaram uma das tais somas que subtraem. Votos do PS mais votos do BE deram menos do que os votos de Alegre sozinho em 2006, sem PS nem BE, contra PS e contra BE, contra quase tudo e quase todos. Porquê? Porque no paralelogramo de forças de dois partidos adversários, ambos se anularam e deram uma resultante inferior à soma, e inferior até a uma das parcelas.

Concorrendo sozinho, Alegre sentira as mãos mais livres e a voz mais solta para criticar o Governo Sócrates. Fez na altura as críticas que quis, e provavelmente algumas que nunca lhe tinham passado pela cabeça e que o ressabiamento de então verdadeiramente propiciava. Obteve os votos de indignação e protesto que suscitava a política do Governo.

Concorrendo agora com o apoio do PS, calou boa parte das suas críticas e perdeu a imagem de oposição. Brilhou pela ausência nos piquetes de greve de Novembro e nas manifestações contra o roubo dos salários. Deixou o número de candidato rebelde para ser desempenhado pela lamentável candidatura de Fernando Nobre.

A aposta do BE em somar votos de oposição – os de Alegre em 2006 com os propriamente bloquistas – poderia à primeira vista parecer uma aposta legítima. Mas caía pela base assim que Alegre começava a organizar os seus discursos, os seus ditos e os seus não-ditos, em função do apoio do PS. Não podia nunca somar votos oposicionistas um candidato que quase sempre se calava para conservar votos governamentalistas.

O BE deveria saber isto melhor do que ninguém, porque ele próprio conseguira pôr de pé, na sua origem, uma das tais somas que multiplicam – se não em termos militantes, ao menos nos tais termos eleitorais que aqui empreendemos discutir. A soma aritmética de votos das suas várias componentes nunca teria alcançado as votações que alcançou o BE como tal. O apoio a Alegre por parte do BE significou o voltar as costas à dialéctica realista da luta de classes e o recair nas ilusões duma tabuada primitiva e esquemática.


Comentários dos leitores

Manuel de Sousa 29/1/2011, 16:06

Concordo com a análise política de António Louça mas teríamos de ir mais longe: como é que um político profissional como Alegre que desde 75 acompanhou o rumo do PS de «meter o socialismo na gaveta», na sua gestão coerente das reformas do capitalismo português: reconstrução dos grupos económicos, restauração da velha ordem, destruição da reforma agrária etc. etc. - para lá do silêncio face à corrupção generalizada nas últimas décadas - poderia agora ser a voz «lúcida» da «esquerda» de denúncia do pragmatismo «liberal» dos últimos governos?
Que o BE, ou parte dele, pragmaticamente na sua lógica do mal menor, acredite nisso, ou queira que os outros acreditem ainda vai, agora que alguém que deseje manter alguma lucidez e sanidade neste pântano aceite essa retórica aí já é preocupante...

JOÃO MAKIEIRA BRAZ 1/2/2011, 21:46

Não posso estar mais de acordo com António Louçã.
Pegando nas palavras do comentador anterior "agora que alguém que deseje manter alguma lucidez e sanidade neste pântano aceite essa retórica aí já é preocupante…"
Eu direi: mesmo muito preocupante!
Só que esse alguém, para mim, é o Dr. Francisco Louçã, que se recusa a perceber ou a admitir que Manuel Alegre não serviu para aglutinar a esquerda, mas, sim, para fracturar o BE. A demissão de João Delgado é apenas um exemplo do que digo.
Tempos virão que a verdade dirão sobre o BE e qual a parte dele responsável pelo seu suicídio político.


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