O propósito da revisão constitucional do PSD

Pedro Goulart — 2 Agosto 2010

passosperdidos.jpgA recente apresentação do anteprojecto de revisão constitucional do PSD tem sido muito badalada – objecto de debate e de grande polémica – apesar da forte previsibilidade do seu conteúdo. Entre as numerosas alterações propostas, o anteprojecto procura retirar da Constituição as expressões “tendencialmente gratuito” no que respeita ao Serviço Nacional de Saúde e “sem justa causa” na proibição dos despedimentos, sendo, sem dúvida, estas as duas questões que, entre as classes trabalhadoras e os pobres, têm provocado maior repúdio.

Contudo, e na verdade, não havia de que admirar. Este anteprojecto corresponde a muito do que Passos Coelho promoveu na sua candidatura à liderança do partido, assim como ao que veio a expressar nos meses que se seguiram à sua eleição. Orientações que assentam na defesa dos interesses e ideias dos empresários, gestores e políticos que o catapultaram para a direcção do PSD e que estão altamente empenhados no desenvolvimento daquilo a que alguns chamam de capitalismo selvagem (por oposição a um capitalismo bonzinho?), mas a que nós, pura e simplesmente, designamos de capitalismo.

Apesar das palavras desdramatizadoras de alguns dos proponentes deste anteprojecto, das mistificadoras ou cruas justificações de vários dos seus intransigentes defensores, o que esta gente realmente pretende é acabar de vez com algumas ambiguidades, permitindo e promovendo abertamente num futuro texto constitucional a privatização da Saúde e do Ensino, assim como uma total flexibilização das leis do trabalho. Procuram, no fundo, levar a cabo, sem peias, aquilo que já tem vindo a ser ensaiado e praticado pelos governos do PS e do PSD (com o apoio do CDS).

Os promotores do anteprojecto de revisão do PSD, mesmo que não vejam nos próximos tempos aprovadas as alterações pretendidas ao texto constitucional, já conseguiram duas coisas:
– uma demarcação (falsa) face ao PS, com o objectivo de, num futuro próximo, substituírem o governo de José Sócrates;
– o condicionamento das negociações do Orçamento do Estado de 2011. Fundamentados no seu a nteprojecto, procurarão impor aqui, forte e feio, maiores restrições orçamentais nas áreas da Saúde e do Ensino. E, como parte das negociações, irão ainda pressionar no sentido de uma maior “liberalização” da legislação laboral.

Quanto ao PS, apesar de umas iniciais e fingidas indignações dos seus dirigentes face ao anteprojecto de revisão constitucional do PSD, não temos dúvidas sobre a sua hipocrisia e de que, quando se tratar de negociar, aquele partido não terá pejo, uma vez mais, de se aproximar das posições do PSD em relação às questões essenciais. Aliás, nas suas mais recentes declarações sobre a revisão constitucional parece que o que mais incomoda o PS já não são tanto as negociações, mas o timing da apresentação do referido anteprojecto.
No que toca aos trabalhadores e revolucionários, não nos pode ser indiferente o resultado desta luta entre diversas fracções da burguesia (e projectos pessoais), na medida em que os seus resultados podem afectar gravemente as nossas vidas. Assim, devemos estar com todas as forças que se oponham sinceramente a mais esta ofensiva do capital. Mas, em articulação com a defesa dos nossos direitos e conquistas, é fundamental não descurar o desenvolvimento de um combate autónomo, ideológico e orgânico, visando desde já a construção de uma alternativa de classe ao Estado capitalista e aos seus partidos.


Comentários dos leitores

heitor da silva 3/8/2010, 6:28

A burguesia já nos deu mais que suficientes provas do que é capaz na mira de alcançar os seus desígnios nas mais variáveis circunstancias. É uma questão de adn. Daí que não me cause surpresa alguma os seus ataques aos trabalhadores e direi mesmo ao Povo em geral porque a sua auto proclamada designação de Popular não é outra coisa que a expressão do seu sentimento de de pertença ao "Povo Eleito" com que se distinguem do POVO verdadeiramente dito. E é vê-los como exibem os seus teres e haveres fruto da rapina àqueles que trabalham para enriquecer os chamados ricos e se assumem pobres porque sempre estão de mãos vazias sem conseguirem sequer reconhecimento algum dos seus exploradores. Estou com o meu vizinho que diz: "Se os ricos não tratam dos pobres, dia virá que os pobres tratarão dos ricos!..."
Ao ver as últimas imagens de França rebotam na minha mente palavras como: Igualdade, Fraternidade, Liberdade e vejo as acácias tingidas de vermelho.

afonsomanuelgonçalves 3/8/2010, 7:19

A percepção do repúdio das classes trabalhadoras face à designação de "tendencialmente gratuita" do texto constitucional relativamente aos direitos da saúde, não me parece muito visível. Até porque tem a sua razão de ser. O que se manifesta nesta expressão é apenas uma intensão subjectiva que nem sequer tem correspondência na determinação do tempo. É, apenas, mais uma afirmação hipócrita dos princípios jurídicos de qualquer Constituição burguesa. Não admira portanto a indiferença que reina no campo laboral sobre estas quezílias entre as forças partidárias do poder burguês e as forças ligadas ao PCP e seus aliados mais próximos. De facto, como se lê no artigo, as organizações políticas degladiam-se nestas ambiguidades tratando-as como se fossem fundamentais. Em vez de atacar esta Constituição, o revisionismo moderno defende-a como se ela fosse o património e a garantia de direitos constitucionais das classes trabalhadoras. E isso é completamente falso.


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar