EPAL faz contrato com firma israelita especializada no roubo da água palestiniana

Manuel Raposo — 20 Dezembro 2009

ziyaad1.jpgEm princípio de Novembro, soube-se que a EPAL firmou um contrato com uma empresa israelita, a Mekorot. Entre a matéria do contrato destaca-se a prestação de serviços por parte da Mekorot no respeitante a “questões de segurança da água”. A empresa israelita é, na verdade, especialista no roubo de água dos territórios palestinianos e árabes da região e, por esta via, é, desde 1937, uma arma privilegiada da colonização que o estado sionista ali exerce. Que o assunto é melindroso, prova-o o despedimento pela EPAL, em tempo recorde, de uma estagiária que – tendo visitado recentemente a Palestina – resolveu dar a conhecer aos colegas de serviço o que é a política de gestão da água feita pelos israelitas.

Depois de uma primeira resposta diplomática a uma carta do Comité Palestina, onde eram pedidos esclarecimentos sobre o assunto, a administração da EPAL remeteu-se ao silêncio, deixando sem resposta uma segunda carta (desta vez subscrita também pela Amnistia Internacional, a associação Água Pública, o CPPC, o Fórum pela Paz, o MPPM e o Tribunal-Iraque) em que se confrontava a EPAL com violações de normas e deveres estabelecidos internacionalmente e consignados no próprio Código de Conduta e de Ética do grupo Águas de Portugal, de que a EPAL é subsidiária.

Para falar do assunto, entrevistámos Ziyaad Lunat (*), um dos activistas empenhados na contestação ao contrato firmado pela EPAL.

O que é e o que faz a Mekorot?

A Mekorot é a empresa pública de águas israelita, fundada em 1937 pelo movimento sionista como um instrumento de colonização da Palestina. Levi Eshkol serviu como director da empresa até 1951, tornando-se mais tarde o terceiro primeiro-ministro de Israel. A Mekorot construiu a infraestrutura de distribuição nacional de água, terminando o projecto em 1956, projecto esse que na altura foi fonte de tensões com as vizinhas Jordânia e Síria, que acusaram Israel de roubar água dos aquíferos pertencentes a estes dois países. Os confrontos que daí resultaram, em que Israel foi responsável pela morte de centenas de civis, levaram à condenação dos ataques israelitas pelo Conselho de Segurança da ONU através das resoluções 111 e 171.

A água foi também uma das motivações por detrás da decisão de Levi Eshkol de invadir em 1967 a Cisjordania e a Faixa de Gaza, ainda hoje sob ocupação ilegal (já no seu 42.º ano). A Cisjordânia, em particular, é rica em água. Logo depois da ocupação dos territórios palestinianos, a Mekorot expropriou todos os recursos hídricos, tirando por completo aos palestinianos o acesso a esses recursos. Essa transferência foi formalizada em 1982 por Ariel Sharon, o então Ministro da Defesa, tendo a Mekorot pago o preço simbólico de um shekel pela transferência da propriedade, cujo valor estimado era de 5 milhões de dólares.

E a água, na região, é certamente mais vital que em qualquer outro lado…

A água foi usada como instrumento de punição contra os palestinianos, de forma a que eles se submetessem à ocupação sob ameaça de serem privados de água. Essa política criminosa, colocada em curso pela Mekorot, teve consequências desastrosas para os agricultores palestinianos, pois sem água eles não tinham como manter o seu único meio de subsistência. Muitos tiveram que abandonar as terras, que logo de seguida foram anexadas pelo exército israelita para a construção de colonatos ilegais.

Em Outubro passado, a Amnistia Internacional publicou um relatório, que fez notícia a nível internacional, onde documenta o que a organização considera as políticas “deliberadas” de Israel para retirar aos palestinianos o direito de acesso adequado à água através do controlo dos recursos hídricos e medidas discriminatórias. De acordo com o relatório, Israel usa 80 por cento da água do “aquífero de montanha”. No ano 2000, um oficial superior israelita que trabalhou na Comissão da Água Israelita disse à organização de direitos israelita B´Tselem que “a obrigação da Mekorot é, em primeiro lugar, para com os colonatos judeus e cidadãos israelitas”. Entre 180 000 e 200 000 pessoas da população rural palestiniana não têm acesso a água corrente (em contraste com quase 100% de acesso à rede de águas por parte dos israelitas). Além do facto de entre 90 a 95 por cento da água em Gaza estar contaminada com os esgotos. A Oxfam registou casos em que bebés em Gaza morreram por beberem água contaminada.

A Mekorot como executor destas políticas criminosas é um agente chave na colonização da Palestina.

Em que consiste o acordo EPAL-Mekorot?

A EPAL, que fornece água a mas de 2,5 millhões de portuguese na região de Lisboa e no sul do país, fez um contrato de “cooperação” com a Mekorot. Este acordo prentende, de acordo com as duas empresas, estabelecer um plano para “protecção” do sistema de águas português na eventualidade de “ameaças terroristas”, usando assim a “experiência” da Mekorot nessa área. O acordo é, na realidade, uma oportunidade para a Mekorot fazer render os anos de experiência que tem como agente israelita da ocupação imoral e ilegal da Palestina. É também um pretexto para que a Mekorot invada o mercado europeu com este tipo de serviços, sendo Portugal o país de lançamento para as suas ambições imorais.

Sabe-se que valores financeiros estão envolvidos?

A EPAL até agora recusou-se em tornar públicos os detalhes sobre este acordo. Mas não há dúvidas que as centenas de milhares de euros que a EPAL pagará à Mekorot serão por sua vez usados na consolidação do sistema de opressão contra os palestinianos que a Mekorot põe em prática. Isto, em si, é condenável.

A EPAL está a violar o seu próprio estatuto? Em quê?

A “Águas de Portugal”, da qual a EPAL é subsidiária, ostenta um extenso Código de Conduta e de Ética e proclama publicamente uma política de responsabilidade social em que se garante “respeito integral dos requisitos das normas (…) SA8000:2008”. Estas mesmas normas estabelecem que, para uma empresa ser considerada socialmente responsável, tem a obrigação de garantir que todos aqueles com que a empresa se vincula ou que contrata (fornecedores, parceiros, etc.) cumpram a lei internacional e nacional.

O Código de Conduta e de Ética estabelece que a EPAL, como empresa do Grupo Águas de Portugal se rege pelos princípios do respeito e protecção dos direitos humanos, da erradicação de todas as formas de exploração, da erradicação de todas as práticas discriminatórias.
Ora, a Mekorot viola as leis internacionais e os direitos humanos, pondo em prática medidas discriminatórias contra os palestinianos. Estando estes factos disponíveis publicamente e sendo corroborados por diversas organizações governamentais e de direitos humanos a nível internacional, a EPAL não pode invocar “ignorância” de tais violações. A insistência em manter vigente este contrato é prova de que a EPAL não leva a sério os seus próprios estatutos e que não tem problema em os violar para benefício económico ou até político.

Ou seja, a EPAL viola direitos e normas nacionais e internacionais…

A Mekorot viola um grande número de direitos e normas internacionais. Por associação, a EPAL dá um acordo a estas violações e encoraja-as através da transferência de milhares de euros para os cofres da Mekorot. Como potência colonizadora, Israel tem como obrigação o fornecimento de serviços básicos à população dos territórios que ocupa. Essa obrigação, codificada nos Acordos de Genebra, é completamente ignorada por Israel e foi denunciada por várias vezes pela ONU e organizações de direitos humanos. A resolução 181, de 29 de Novembro de 1947, das Nações Unidas, que levou à criação do Estado de Israel, concede “Acesso para ambos os Estados e para a Cidade de Jerusalém às instalações de água e energia numa base não discriminatória”.

A Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CIDESC) que ambos, Portugal e Israel, ratificaram, estabelece nos seus Artigos 11.º e 12.º que, no que diz respeito ao direito à água, se aplicam em todas as circunstâncias as seguintes garantias: “disponibilidade, qualidade, acessibilidade (física e económica), não discriminação no acesso e na informação relativa à água”. Israel, como Estado parte desta Convenção, tem a obrigação de não interferir directa ou indirectamente na fruição do direito à água. Esta obrigação inclui o dever de evitar práticas que recusem ou limitem o acesso adequado à água em condições de igualdade. Portugal, como Estado subscritor desta Convenção, está sujeito à mesma obrigação de não interferir na limitação do direito à água, directa ou indirectamente, designadamente através de parcerias.

A EPAL está também a violar a Directiva Europeia 04/18/CE do Parlamento e Conselho Europeus, de 31 de Março de 2004, que, embora não vinculando Israel, obriga Portugal. Essa directiva regula os processos para adjudicação de contratos públicos, e permite ao Estado Português, designadamente a uma empresa pública como a EPAL, excluir de um contrato público qualquer agente económico (indivíduo ou organização) que tenha cometido um acto condenável grave (“grave misconduct”, no original) no exercício da sua profissão ou negócio. É o caso evidente da Mekorot.

A água é um direito universal. Todos os seres humanos, independentemente da sua raça, religião ou etnia, têm direito à água. Israel, como um estado que privilegia a etnia judaica acima de todas as outras, está em contradição com estes direitos básicos de igualdade.

Que reacção mereceu em Portugal este acordo e que acções foram desencadeadas?

Assim que os detalhes do contrato entre a EPAL e a Mekorot se tornaram públicos, o Comité de Solidariedade com a Palestina (CSP) escreveu uma carta à EPAL a pedir clarificações sobre o contrato. A EPAL, como era previsto, respondeu dizendo que o acordo era estritamente económico, significando que os crimes da Mekorot não lhes dizem respeito. Desde então, a contestação ao contrato alargou-se a outras organizações como a Água Pública, a Amnistia Internacional, o CPPC, o Fórum pela Paz, o MPPM, o Tribunal-Iraque. Estas organizações enviaram uma nova carta à EPAL pedindo satisfações sobre o contrato. A EPAL não respondeu.
Entretanto, dois partidos políticos, o Bloco de Esquerda e o PCP, pediram explicação ao Ministério do Ambiente, que tutela a EPAL. Houve também oposição interna na EPAL. Uma funcionária (estagiária) que mostrou insatisfação com o contrato com a Mekorot foi despedida pela empresa, o que mostra o baixo grau de tolerância da EPAL em relação ao direito de expressão e de opinião.

Há também oposição internacional ao contrato, não só dentro de Israel e entre os palestinianos, mas também por parte de outras organizações da sociedade civil estrangeiras. Estão a organizar-se acções colectivas para denunciar a EPAL a nível internacional como a nossa vergonha nacional. Iremos continuar a fazer pressão sobre a empresa até que este contrato seja rompido.

(*) Ziyaad Lunat é activista e co-fundador da Palestine Solidarity Initiative (www.palestinesolidarity.org). Formou-se na London School of Economics e, enquanto dirigente estudantil, foi pioneiro da campanha de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) no movimento estudantil. Trabalhou na Palestina e nos EUA para organizações empenhadas na luta em defesa dos povos do Médio Oriente.


Comentários dos leitores

LABREGO 5/9/2011, 18:41

Cá em Portugal, o que temos? Roubo desenfreado para pagar ordenados chorudos ao tios, primos, irmãos e enteados de políticos e amigos.
Senão, vejamos uma factura tirada aleatoriamente do maço do saque ao povo português:
Água - 5 metros - 3.48€
Quota de serviço - 21.96€
Adicional CM Lisboa - 1.69€
Saneamento variável - 3.20€
Saneamento fixo - 2.43€
Tx.recursos hídricos - 0.34€
IVA sobre o valor da água e sobre as taxas - 1.66€
TOTAL 36,20€
OU SEJA, PAGO 5 EUROS DE ÁGUA E 31 EM IMPOSTOS!
PARA ENCHER O CU A CHULOS.

António Veiga 5/4/2013, 3:08

Deve haver interesses económicos e racistas na administração da EPAL e estou em querer mesmo que seja gerida por judeus.
Os palestinianos foram escorraçados das suas casas, confiscaram-lhes as propriedades e todos os recursos naturais. Tiveram que fugir e os seus descendentes hoje ainda continuam a ser refugiados nos países vizinhos e Israel não lhes dá qualquer direito de voltar à sua terra.
Os judeus ocuparam para além do território que lhes foi dado pela ONU (GB e USA) ocuparam quase todo o resto com colonatos e os palestinianos nem sequer podem construir qualquer casa sem autorização de Israel.
Depois os terroristas são os palestinianos, dizem os judeus.


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