Flexi-segurança, escravatura assalariada

Vladimiro Guinot — 5 Outubro 2007

A Greve, Segall, 1956Flexi-segurança é caminho para relações de trabalho sem regras.
Horários, mobilidade, despedimentos, contratação polivalência – tudo dependerá, na prática, do arbítrio dos patrões.

O que caracteriza a flexi-segurança é a desregulação quase integral das relações de trabalho, deixando ao arbítrio dos patrões a sua definição. Os prejuízos para os trabalhadores vão muito além do que o Código Bagão impõe. Daí que o próprio Bagão viesse a terreiro afirmar que jamais se atreveria a tanto.

Despedir à vontade.
Patrões e governo querem impor a liberalização dos despedimentos. Ou seja: o patrão pode despedir o trabalhador quando entender, invocando (ou não) qualquer motivo para tal. Até o pensamento político pode estar na “razão” do despedimento.
Esta medida contraria o princípio constitucional que proíbe o despedimento sem justa causa.

Morte da contratação colectiva.
Querem também acabar definitivamente com a contratação colectiva. Com a aceleração dos processos de caducidade dos contratos colectivos de trabalho, o governo retira aos trabalhadores um importante instrumento para a defesa dos seus interesses económicos colectivos. Todo o trabalhador ficará sujeito ao contrato individual de trabalho que pode incluir condições inferiores às consignadas no Código do Trabalho.

Horas de trabalho? Todas!
Visam transformar as 24 horas do dia em tempo de trabalho normal. A Comissão do Livro Branco do Trabalho, nomeada pelo governo, recomenda a eliminação, no Código do Trabalho, do preceito que estabelece o limite máximo do tempo de trabalho diário (8 horas), mantendo tão só o limite semanal de 60 horas.
Aos trabalhadores será exigido que trabalhem, por dia, as horas que ao patrão convenha e nos dias que lhe dá mais jeito. Querem que se trabalhe o mais possível quando há encomendas; e que se folgue quando não as há. Ou seja, rendimento máximo da mão-de-obra, com um mínimo de mão-de-obra empregada.
O patrão beneficia duplamente com esta situação, pois não terá de pagar horas extraordinárias, valor que constitui um rendimento extra considerável para os trabalhadores.

Desemprego? É para aumentar!
O aumento do tempo de trabalho diário vai ter incidência directa no aumento do desemprego. Uma vez que o trabalhador é obrigado a trabalhar mais horas por dia, o patrão não vai admitir mais ninguém para completar a “sua” jornada de trabalho e até se pode dar ao luxo de despedir uns quantos. Por outro lado, a concorrência entre os trabalhadores pelo posto de trabalho vai agravar-se, o que levará à aceitação de condições e remunerações bastante inferiores às que seriam normais em situação diferente. Logo, os salários e os direitos vão continuar a diminuir.

Mobilidade à vontade.
Pretendem obrigar os trabalhadores a trabalhar em qualquer parte do país, de acordo com as necessidades das empresas, sem paga acrescida. Para além do empobrecimento das famílias, que resultará da duplicação das despesas, também as relações familiares vão ser fortemente prejudicadas com esta medida. No fundo, o conceito da família tradicional, acaloradamente defendida pela burguesia e pela igreja, é uma vez mais lançada ao lixo como coisa perfeitamente dispensável.

Polivalência, pois claro!
A polivalência vai obrigar o trabalhador a executar, sob pena de perder o emprego, tarefas diferenciadas que podem não ter nada a ver com a sua profissão original – ser pau para toda a obra. Pretende-se, assim, aliviar o patrão da obrigação de contratar mais pessoal para substituir trabalhadores ausentes (por doença, gozo de férias, etc.), permitindo-lhe multiplicar a carga de trabalho dos restantes.

Subsídios, só para administradores
A integração dos subsídios de férias e de Natal num salário global anual, correspondente a doze meses, criará uma ilusão, passageira, de aumento imediato que será comido rapidamente pelas negociações salariais individualizadas.

Menos férias e feriados
O governo, a pedido dos patrões, pretende diminuir o tempo de férias. O Livro Branco recomenda ao governo que os 25 dias úteis de férias, actualmente em vigor, sejam reduzidos para 23, por considerar “globalmente negativo o regime da majoração das férias”.
Também quanto aos feriados, o governo tem na forja um projecto que visa a redução do número de feriados nacionais e municipais assim como a transferência de datas das efemérides para os dias imediatamente anteriores ou posteriores aos fins-de-semana, diminuindo assim as pontes. Na prática, isto significa, em relação à situação actual, um aumento da carga de trabalho sem mais remuneração.

Quanto à segurança…
O governo acena com a promessa de garantir aos desempregados um subsídio temporário de desemprego, mas não revela nem o valor, nem por quanto tempo será pago.
Na Dinamarca, o exemplo da flexi-segurança exibido pelo governo de Sócrates e pelos patrões, os subsídios de desemprego tinham a duração de nove anos e agora passaram para quatro; e o seu valor médio baixou de 90% para 80% do salário. Sem esquecer que estão excluídos deste sistema os trabalhadores menos qualificados e os imigrantes.
Que valores estarão reservados para os trabalhadores portugueses, se a protecção ao desemprego no nosso pais ronda, presen-temente, os 25% da média europeia?

Um forte desafio ao movimento sindical
O que está em curso é uma violenta ofensiva dos patrões contra os direitos de quem trabalha. O governo é o administrador de serviço.
Mas os trabalhadores podem derrotar o projecto de flexi-segurança. Assim consigam construir uma unidade combativa e solidária,que neutralize os puxa-para-trás. E saibam conduzir a luta com determinação, até atingir os objectivos para que foi iniciada.
A adesão de um milhão e quatrocentos mil trabalhadores à greve geral de 30 de Maio, e as grandes manifestações contra a política do governo, tornaram claro que uma grande parte dos assalariados está descontente e disposta a fazer frente a Sócrates. É essa a base para reerguer o movimento que começou a manifestar-se no final de 2006.
A resposta do capital à crise é mais exploração e empobrecimento dos assalariados. Contra isso, os trabalhadores precisam de lutas mais radicais. Contribuir para levantar um movimento popular e laboral de contra-ataque à ofensiva do capital implica rejeitar a política de panos quentes e de submissão dos interesses dos trabalhadores aos interesses do patronato. É esse o desafio que está posto ao movimento sindical.


Comentários dos leitores

pedro rodrigues 10/10/2007, 11:50

<p>Já devem saber, mas aqui vai:<br />

Nesta sexta dia 12, no Grémio Lisbonense, ali mesmo virado para o Rossio, em Lisboa, há "Noite precária" a partir das 21h30, organizada pelos Precários Inflexíveis, um grupo de denúncia e acção contra a exploração e a precariedade. Um debate - como combater - , e ainda música, leituras, convívio e um copo barato. Apareçam e digam de vossa justiça. A entrada é livre.</p>



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