As ilusões alegristas e o chamado Fórum das Esquerdas

Pedro Goulart — 19 Janeiro 2009

Quem tenha acompanhado, ou se dê ao trabalho de inventariar criticamente o passado político de Manuel Alegre, desde o seu apoio ao golpe de direita do 25 de Novembro de 1975, passando pela sua participação e/ou conivência, ao longo das últimas décadas, com a política anti-trabalhadores do PS, não pode alimentar ilusões sobre o que Alegre ainda possa fazer pela esquerda e pelos trabalhadores. Não são mais uns dos já muitos arrufos de Alegre com o PS ou um ou outro voto do poeta com os partidos da esquerda parlamentar que dão quaisquer garantias de que ele pretenda cortar com o seu passado.

Acho que o poeta da Praça da Canção o que pretende é pressionar o PS levando-o a inflectir num sentido socialdemocratizante, mas visando, sobretudo, gerar um amplo apoio a uma sua futura candidatura às eleições presidenciais. Se Alegre, no limite, viesse a encabeçar um movimento de algumas esquerdas, seria certamente um movimento de fracos princípios, sem consistência, destinado a, mais cedo ou mais tarde, vir a integrar o PS. Já temos sobejas provas de quais são geralmente os resultados de movimentos criados à volta de “personalidades”, mesmo quando embrulhadas em programas avançados. O BE talvez consiga angariar mais uns quantos votos com esta operação, mas para fazer que política?

Não ponho em causa as “boas intenções” de alguns dos políticos, militantes ou intelectuais que participaram no chamado Fórum das Esquerdas. Mas, apesar de se reclamar genericamente das Esquerdas, há, ali, por parte dos mentores do Encontro, a intenção nítida de deixar de fora ou mesmo de isolar o PCP, afastando, na prática, parte significativa das classes trabalhadoras portuguesas, cuja resistência é, apesar de tudo, persistente e organizada. O que, para um “fórum” que pretende opor-se à política do governo, não deixa de ser incompreensível. A rua e as empresas não são de todo, portanto, o terreno político de luta da plataforma que procura formar-se, por muito de esquerda que se queira mostrar.

A base de todo o processo que conduziu ao Fórum, assim como o tipo de tratamento dado aos problemas debatidos, revelam bem a natureza e os interesses de classe da maioria dos participantes. Na base dos argumentos aí expendidos estão ideias análogas às daqueles que afirmam que a crise/catástrofe que recentemente se abateu sobre o sistema capitalista teria resultado das manigâncias de alguns capitalistas malandros, de uns quantos especuladores sem escrúpulos ou de uns “banqueiros delinquentes”. Pode dizer-se, sem grandes dúvidas, que aí predomina uma esquerda socialdemocratizante e que o essencial deste movimento, a afirmar-se, não se traduziria numa verdadeira alteração dos actuais equilíbrios de forças. Trata-se, para usar uma fórmula conhecida, de procurar mudar alguma coisa para que o essencial do regime permaneça na mesma.


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