A crise: imagem da irracionalidade do capitalismo

Manuel Raposo — 16 Dezembro 2008

fome2jpg_72dpi.jpgNas notícias e nos comentários sobre a crise financeira domina a ideia de que a causa do descalabro está no comportamento de determinados agentes económicos. O exagero dos empréstimos de alto risco, a ganância, a falta de controlo das operações de crédito, etc., são apontados como origem do problema, e sugere-se mesmo que uma eficaz fiscalização teria evitado que se chegasse a tal ponto.

Contra isto, há que lembrar uma primeira evidência: a crise começou (e propagou-se) pelas grandes empresas financeiras, não por agiotas de vão de escada. Se o problema fosse o comportamento indevido de uns quantos marginais, o próprio sistema trataria de os pôr na ordem e nem sequer de crise se falaria. Ora, pelo contrário, com a crescente financiarização do capitalismo de hoje, essas grandes empresas tornaram-se o motor da circulação das mercadorias e do capital e, portanto, da realização das mais-valias. O seu colapso revela assim a doença que atinge, não apenas o sistema financeiro, mas o capitalismo dos nossos dias por inteiro.

A origem da crise está portanto noutro lado. Depois do surto de desenvolvimento, de cerca de 30 anos, que as destruições da segunda guerra mundial permitiram, o capitalismo das metrópoles mais desenvolvidas entrou em estagnação, com níveis de crescimento muito baixos. Subjacente à actual crise financeira está, portanto, uma crise económica que dura desde o começo dos anos 70 e que resulta do envelhecimento do capitalismo. O capital enfrenta uma crescente dificuldade em realizar lucro porque é cada vez maior a desproporção entre as suas capacidades produtivas e o poder de compra, em declínio, das populações assalariadas.

A globalização dos últimos 15-20 anos também é apontada como a causa da crise. Mas a realidade é o inverso: foi o enorme alargamento dos mercados e do crédito proporcionado pela globalização que adiou o rebentar da crise a que estamos a assistir, forjando através do crédito um poder de compra fictício. Não estamos pois a assistir aos males da globalização, mas ao esgotamento dos seus efeitos.

A crise é a chegada do momento do acerto de contas. Há um abismo entre, de um lado, uma massa colossal de capital sem aplicação produtiva e um volume enorme de bens invendáveis; e, do outro lado, um poder de compra da população mundial proporcionalmente muito menor (ou até a decrescer em valor absoluto), por força do desemprego e da perda de valor dos salários reais. Para o capitalismo, colmatar esse abismo significa destruir bens, destruir capital, destruir capacidade produtiva. É esse o sentido das falências, das fusões e encerramentos de empresas, das paragens e das reduções da produção, dos despedimentos em massa que se verificam por todo o mundo.

Numa altura destas, torna-se patente a aberração e a irracionalidade do capitalismo de hoje: quando a capacidade de produção de bens úteis a toda a humanidade está no seu ponto mais alto; quando milhões de seres humanos ainda carecem desses bens e podiam ver as suas necessidades satisfeitas do dia para a noite – é precisamente nessa altura que o capitalismo “resolve” a crise… destruindo bens e meios de produção.

A explicação desta irracionalidade é simples: o fito do capital é o de produzir lucro, não o de satisfazer as necessidades humanas; realizar lucro significa produzir bens para que sejam comprados; se em dado momento aquilo que é produzido ultrapassa o que pode ser comprado a solução, para o capitalismo, não é distribuir mas sim destruir o que se tornou invendável e não lucrativo.

Também nestes momentos se torna mais evidente que a organização social podia ser outra. Se os meios produtivos são vastos e os bens produzidos são muitos, então baixem-se os preços. Se a produtividade é alta e prescinde de mão-de-obra, então diminua-se o horário de trabalho obrigatório e dê-se trabalho a toda a gente. Se a busca de lucro entra em choque com a satisfação das necessidades humanas, então suprima-se o lucro. Se a propriedade capitalista beneficia uma pequena classe de detentores de meios de produção, então faça-se dos meios de produção propriedade colectiva. Se o Estado mostra estar ao serviço do salvamento da economia privada, acabe-se então com este Estado e crie-se um poder que defenda os interesses das classes trabalhadoras, a maioria da população.


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