“Isto não vos lembra nada?”

José Vieira / MV — 1 Outubro 2008

f_ciganos04_72dpi.jpgO nosso amigo e cineasta José Vieira, que vive em Paris, acaba de nos enviar uma reportagem da expulsão programada de um grupo de famílias roms (ciganos originários da Roménia) da estação de Massy-Palaiseau, nos arredores a sul da capital francesa. Transcrevemos o essencial da sua longa descrição e algumas das fotos que nos fez chegar. Num folheto de solidariedade que reproduzimos em baixo (clicar na imagem para ver em tamanho maior), pode ler-se: «Por ocasião da primeira cimeira europeia sobre os ciganos, organizada em 16 de Setembro em Bruxelas pela Comissão Europeia e patrocinada conjuntamente pelo seu presidente José Manuel Barroso e pela presidência francesa do Conselho Europeu, a prefeitura do departamento de Essonne convida-o a vir assistir, nesse mesmo dia às 6 horas da manhã, à expulsão dos ciganos que habitam no estacionamento em construção da estação do metro regional de Massy-Palaiseau. A expulsão será lugar segundo a técnica varrimento rápido com a participação das forças da ordem.»

f_ciganosfolheto_72dpi.jpgExpulsão programada
A expulsão dos roms que habitavam no estacionamento da estação de Massy-Palaiseau estava prevista para 16 de Setembro. A prefeitura [governo civil], pudica, terá querido esperar pelo fim da primeira cimeira europeia sobre os ciganos para desencadear a sua operação para correr com eles? Facto é que a expulsão teve lugar no dia seguinte, 17 de Setembro.

O comandante da polícia de Palaiseau tinha avisado os ciganos, que se manifestaram no dia 15 à frente da subprefeitura, de que no dia seguinte os ia meter no combóio. Para ir para onde? perguntaram-lhe os habitantes do estacionamento. O oficial da polícia retorquiu-lhes que isso não era da conta dele. Tinha ordens expressas para correr com eles daquela zona. Para ir para onde? insistiram os roms. Para Bobigny, propôs-lhes o comandante querendo fazer graça.

A 17 de Setembro a polícia cercou o acampamento. A polícia enviara, entre outros, vários agentes da DASS encarregados de recensear os que podiam ter direito a um alojamento provisório. A DASS, que nunca aqui pôs os pés para cuidar da situação sanitária, improvisou e tartamudeou. Algumas famílias, com mulheres grávidas e filhos de menos de um ano, foram alojadas por alguns dias. Dentro de uma semana, iram juntar-se a outros acampamentos já existentes. Entretanto o minibus leva-os em pequenos grupos para a “maison des solidarités” [casa das solidariedades] de Palaiseau, que até agora se recusou a dar ouvidos às queixas relativas aos habitantes do estacionamento da estação do metro regional.

f_ciganos05_72dpi.jpgCercados pela polícia de choque
As famílias sem direito a alojamento, de longe as mais numerosas, foram retidas no extremo do estacionamento, cercadas por CRS [polícia de choque] e por polícias. No estacionamento, o bulldozer já arrasara algumas barracas recentemente construídas e começara a limpar o terreno. Os CRS formavam agora um cordão até à ponte pedonal da estação. “Para a estação!”, gritou o comandante da polícia. Os habitantes do estacionamento, carregados de sacos e malas, puseram-se lentamente em movimento. As crianças choravam, os homens cantavam. Junto à pedonal, antes de entrarem na estação, pararam. Resusaram-se a prosseguir. Os homens gritavam a sua indignação por serem assim tratados, humilhados. Lembro-me de ter dito a um CRS: “Polícias, pessoas com malas e uma estação, isto não lhe lembra nada?”.

“Para a estação!”, gritava incansável o comandante da polícia. Como havia duas famílias que tinham de ser socorridas em Corbeil pelo 115 e como a maioria dos habitantes do estacionamento tinha decidido também lá ir para tentar obter alojamento, o comandante da polícia aproveitou o facto para obrigar os ciganos a entrar para o combóio que se dirigia a Corbeil-Essones, limpando assim o terreno. Entraram todos para o cais da linha C do metro regional, com destino a Corbeil, via Juvisy. No cais, tendo como fundo a tal ponte pedonal em obras, estranhamente semelhante aos postos de vigia, as imagens eram carregadas de símbolos (1). Mulheres que davam de mamar aos bébés, sentadas nas malas, crianças que só tinham os sacos e as trouxas para brincar, famílias inteiras num cais de estação cercadas pela polícia que os obrigou a subir para um combóio. O metro regional que entrou na estação era azul-branco-vermelho e condizente com os uniformes dos polícias, que tratavam de que ninguém perdesse aquele combóio. Este partiu da estação de metro regional de Massy-Palaiseau. Na estação seguinte, Longjumeau, houve quem quisesse apear-se. Logo os polícias saltaram do combóio para os impedir. Na correspondência de Juvisy, um grupo que tinha conseguido sair da estação foi apanhado, impedido de apanhar um autocarro e de novo enfiado no combóio para Corbeil.

f_ciganos07_72dpi.jpg“Obedecendo a ordens”
Gente carregada de sacos e de malas, homens, mulheres e crianças, ao todo uns sessenta, enquadrados por polícias e guiados por funcionários da SNCF [caminhos de ferro, correpondente à nossa CP], em pleno dia – a cena não provocou emoções em muita gente. A ilegalidade, essa, era patente, evidente. Eu disse-o repetidamente a vários polícias e funcionários da SNCF. Disse-o a polícias que patrulhavam no interior do combóio e que diziam nada terem a ver com a operação. Disseram-me que eu tinha razão, que era ilegal, que não queriam ser filmados e fecharam a porta da carruagem. Falei também a um zeloso funcionário da SNCF que me disse que estava ali para ajudar. Repeti-lhe que estava a participar numa operação ilegal, respondeu-me que obedecia a ordens. Todos diziam obedecer a ordens. Polícias e funcionários da SNCF. As ordens vinham, ao que parece, da prefeitura. A polícia, que tinha ordens para expulsar, tinha também ordens para obrigar os ciganos a subir para o combóio? Desde quando a SNCF oferece os seus serviços e os dos seus funcionários aos agentes das forças da ordem? Até que ponto é legal essa colaboração?

Vi que uma jovem jornalista, que trabalha para um diário, viu o mesmo que eu vi à partida da estação de Massy-Palaiseau e nada disse no seu artigo sobre a ignomínia a que assistira. Tirando alguns raros passantes, não vi ninguém perguntar, ninguém compadecer-se. Nem um grito de solidariedade. Vi olhares hostis, mas na sua maior parte os passageiros não pareciam tocados por estas imagens. Os Roms da Roménia são estrangeiros em todos os lugares. Os olhares desviam-se. Os passageiros que saem, apressam-se a sair, os que entram evitam as carruagens onde se amontoam os ciganos.

f_ciganos09_72dpi.jpgDormir ao relento
Depois de arrastarem todas as bagagens para irem ter com o 115 (Cruz Vermelha) da Essonne, só uma família, das três previstas, conseguiu um alojamento. Para as outras, nada. A câmara municipal de Corbeil mandou um camião com três funcionários municipais. Descarregaram barreiras de protecção e foram-se embora. A polícia apareceu, o oficial declarou “está tudo cheio nesta zona” e, não havendo qualquer perturbação da ordem pública, foi-se embora. A polícia municipal de Corbeil, depois de os ter escoltado desde a estação até à Cruz Vermelha, observou a situação e foi-se embora. Dois tipos, com aspecto muito discreto, apresentaram-se à descarada como agentes dos Renseignements Généraux (serviços secretos internos franceses) e, vendo que não tinham grande coisa a pescar ali, foram-se embora. A Cruz Vermelha ofereceu uma espécie de refeição… Um primeiro grupo pôs-se em marcha de volta à estação. Uma hora depois, o último grupo abandonou o local – apesar da garantia da polícia de que podiam ficar por ali uma noite – mas foi impedido de descer do combóio em todas as estações até à Gare du Nord [no centro de Paris], último destino onde por fim puderam dormir, ao relento, deitados nos panos das tendas que não podiam montar…

(1) Os ciganos foram exterminados pelos nazis. O Estado francês, que reconheceu a sua responsabilidade na Shoah [extermínio dos judeus], continua a fazer ouvidos moucos no que diz respeito ao Samudaripen, o genocídio dos ciganos.


Comentários dos leitores

Raphael de Veyrac 8/5/2009, 18:44

Meus amigos,
Eu sou francês, já vi muitos ciganos na França, sempre tive um pouco medo deles porque há muitas histórias de violências entre eles, os árabes e os franceses, mas sou contra a expulsão dos ROMs, eu acho um absurdo os franceses terem agido dessa forma, é um comportamento quase nazista! Que absurdo! Parece que a França nunca vai mudar e o que mais choca é a indiferença dos franceses com essa expulsão. Já conversei e conheci alguns ROMs, e eles têm uma cultura fantástica, eles são muito reservados e isso é cabível já que eles sempre são torturados durantes as guerras e já que a casa deles é o mundo. Eu estou indignado com o tratamento que eles receberam, esse tipo de história devia ser divulgado pelo facebook, youtube entre outros. Mas se vocês quiserem saber mais, na França, em Paris particularmente, vocês poderão conhecer um submundo de pessoas marginalizadas vivendo sob Paris, isso mesmo sob Paris, como se fosse uma favela de baixo de Paris, naquelas famosas catacumbas (Les Catacombes). Assim podemos admirar a cidade de Paris sem nos preocuparmos com a miséria escondida....Isso acontece desde a Idade Média. Victor Hugo escreveu um livro de quase mil páginas onde vocês poderão ler a descrição dessas pessoas marginalizadas na época da inquisição. O livro é "O Corcunda de Nôtre Dame". Há aquela versão da Walt Disney que não tem nada ver. Esse livro é traduzido em português. Lendo ele vocês poderão entender o que aconteu antes e entender como essas coisas do passado foram herdadas.

sergio pereira 7/2/2010, 0:02

QUE MUNDO É ESSE QUE VIVEMOS?
BASTA DE DISCRIMINAÇÃO! SÉRA QUE NÃO APRENDEMOS COM O HOLOCAUSTO?
COMO A NAÇÃO FRANCESA PROCEDE DESSA FORMA,BERÇO DE GRANDES HOMENS QUE MUDARAM A HISTÓRIA MUNDIAL??????
DEIXEM NOSSOS IRMÃOS CIGANOS EM PAZ!!!

Luana Yara 20/8/2010, 14:43

É triste saber e ver estas coisas nos dias de hoje.
Hitler deve esta rindo e contente pois a semente dele esta cada fez maior e dandos frutos miseráveis.
Vamos ler e pesquisar mais sobre o holocausto e ver os resultados ?


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