Ilegalizações no País Basco

Rui Pereira — 22 Setembro 2008

anv72dpi.jpgSessenta e nove anos depois de ilegalizada por Francisco Franco (juntamente, então, com o Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE -, hoje no poder), a Acção Nacionalista Basca (ANV) voltou esta semana a ser proibida e os seus bens patrimoniais e importantes arquivos históricos confiscados pelo Estado espanhol. Nesta mesma semana, os tribunais espanhóis ilegalizaram também uma outra formação política, o Partido Comunista das Terras Bascas, e a organização de apoio aos presos bascos e seus familiares, Gestoras Pró-Amnistia/Askatasuna.

No conjunto foram decretados mais de dois séculos de prisão contra 21 pessoas. A nenhuma delas foi imputado o cometimento de qualquer delito concreto, tendo, todas, comparecido voluntariamente na Audiência Nacional, o tribunal espanhol de excepção para julgar os casos de «terrorismo» e alta criminalidade. A acusação, genérica e sem qualquer preocupação de apontar materialidade factual, foi a de sempre: trata-se de organizações cujos objectivos convergem «estrategicamente» com os defendidos pela ETA.

O presidente da ANV, Kepa Bereziartua, comparou no final da semana os argumentos encontrados por Franco para a ilegalização com os agora «instigados pelo governo do socialista Zapatero», considerando-os «os mesmos». Com a diferença que, então, o PSOE também foi ilegalizado. Em 1939, o ditador justificou a sua Lei das Responsabilidades Políticas com a necessidade de «liquidar as culpas contraídas pelos que contribuíram com actos ou omissões graves para forjar a subversão vermelha, mantê-la viva […] e entorpecer o triunfo providencial e historicamente iniludível do Movimento Nacional». Hoje, em nome dos limites da Constituição e do seu sistema político, a Lei dos Partidos, aprovada pelo parlamento espanhol em 2002 e promulgada por Juan Carlos, «acusa-nos de apoiar a Batasuna e de ser a sua sucessora, a nós que temos 78 anos de luta pelas ideias de esquerda e bascas», declarou Bereziartua.

Táctica e estratégia

Zapatero traça, com a escalada repressiva no País Basco, uma linha de continuidade com a grande transformação da política nacionalista espanhola impulsionada pela direita de Aznar na segunda metade dos anos 90 e primeiros anos de 2000. Ao mesmo tempo que as várias polícias espanholas e francesas actuam contra a única organização fundamentada e penalmente ilegal no cenário basco, a ETA, os partidos do regime, parlamento, governo, tribunais e grandes órgãos de comunicação social investem contra o tecido social e político do independentismo que congrega um vasto conjunto da esquerda basca. Toda ela passa, por esta via, a estar em risco de, a qualquer momento, com base em simples relatórios de «peritos policiais», lidos em Tribunal, lhe serem impostas sanções idênticas.

Tacticamente, o uso de medidas jurídicas e policiais para criminalizar ideias, sem necessidade de provar factos delituosos, instalou-se no País Basco. Desde 2002, perto de 300 organizações foram ilegalizadas e os seus bens patrimoniais e arquivos confiscados pelo Estado espanhol, perante a indiferença da Europa e do mundo, movimentos de esquerda incluídos. Estrategicamente, o assunto encerra uma chave mais importante, ainda, para os bascos e não só. Trata-se da transposição de uma espiral de simples repressão sobre uma organização ou um sector político determinados, para um círculo completo e complexo de opressão sobre toda uma sociedade. Qualquer um, ao abrigo de medidas deste tipo, está sujeito a ser detido, a ver-se ilegalizado, ou, pelo menos, a ver-se, sem mesmo o saber, vigiado, escutado, perseguido.

Apesar de o número de presos políticos bascos ter atingido máximos históricos com o Partido Socialista no poder, a generalidade das pessoas que integraram as organizações bascas suprimidas, ou que apenas foram candidatas em listas eleitorais (o crime mais vulgar de que as acusam) «limitam-se» a perder os seus empregos ou ficarem impedidas de encontrarem novos empregos devido ao registo criminal ‘sujo’. Isto é, são-lhes retirados meios de subsistência, rodeando as suas próprias vida e sobrevivência com um férreo anel opressivo. Esta subtil forma de castigo não entra nas grandes estatísticas e nas manchetes jornalísticas. Mas passou a integrar a vida de milhares de pessoas cujo único crime, à maneira antiga, foi a sua dissidência relativamente ao regime.

A fechar a semana, um comando da ETA, fez, entretanto, explodir na noite de sábado, 20 de Setembro, dois carros-bomba, em Bilbau (junto a um quartel da polícia), e em Vitória (nas imediações de um banco), sem causar vítimas mortais.


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