O governo sul-coreano vinga-se do “Movimento das Vacas Loucas”

Loren Goldner — 13 Agosto 2008

coreiaprotestos.jpgEm 25 de Julho o governo da Coreia do Sul emitiu mandatos de captura contra os dirigentes sindicais, entre eles o presidente, o vice-presidente e o secretário-geral da Confederação Coreana dos Sindicatos (CCS), bem como dirigentes de sindicatos filiados na Confederação [ver artigo recente neste site Governo sul-coreano persegue dirigentes sindicais].

O vice-presidente da CCS foi preso pela polícia, mas os outros conseguiram fugir e estão escondidos. A polícia cercou a sede da Confederação em Seul [a capital do país]. Na clandestinidade, o presidente da CCS, Lee, conseguiu dar várias entrevistas a órgãos de comunicação de esquerda.
No início de Julho os sindicatos apelaram a uma greve geral, mas o governo sul-coreano decretou que esta greve era ilegal.

Além daqueles mandatos de captura, no mês passado o governo de Lee Myung-bak já havia emitido mandatos contra seis dirigentes do “movimento à luz das velas”, ocorrido em Maio, Junho e Julho. Estes seis obtiveram asilo no Cho-Kye-Jong de Seul, o centro da principal seita do budismo coreano, e neste momento ainda lá se encontram.

O pano de fundo desta ofensiva é a longa série de manifestações de massa que na Primavera passada apanhou desprevenido o governo de direita de Lee Myung-bak. O movimento nasceu em protesto contra a decisão tomada por Lee de permitir a importação de carne bovina proveniente dos Estados Unidos, que muitos coreanos consideram atingida pela doença das vacas loucas. Na realidade, o movimento foi lançado por estudantes do ensino secundário mediante uma ampla mobilização pela internet e durante semanas encheu as ruas com multidões de centenas de milhares de pessoas.

O movimento foi além da questão das vacas loucas e começou a reivindicar a demissão de Lee Myung-bak, eleito presidente em Dezembro do ano passado e cuja popularidade caiu a pique desde que assumiu funções em Fevereiro deste ano. Lee, antigo presidente executivo da Hyundai e também antigo presidente da Câmara de Seul, pretende aplicar um vasto programa de privatizações impopulares e também se propõe realizar um empreendimento colossal, a construção de um canal, perfeitamente inútil, que ligaria Seul a Pusan. Este último projecto foi, para já, suspenso, devido aos protestos de vários grupos de ambientalistas e grupos cívicos.

No começo de Julho, quando o movimento de protesto atingiu o auge, a opinião pública considerava que Lee Myung-bak estava num beco sem saída, isto quando lhe faltava ainda cumprir quatro anos e meio do seu mandato. O actual ataque às figuras mais representativas dos sindicatos e do Movimento das Vacas Loucas constitui uma tentativa de assumir uma aparência de dinamismo, dando o ar de quem “faz alguma coisa”.

Subjacente a esta situação está o longo declínio da economia sul-coreana desde a crise financeira asiática de 1997. Mesmo apesar de o Produto Interno Bruto sul-coreano ter aumentado à média de 5% nos últimos anos, 60% da população activa foi lançada para a precarização do trabalho, com níveis salariais que mal conseguem satisfazer as necessidades elementares. Ora, Lee Myung-bak foi eleito graças às promessas de restaurar o dinamismo económico e de criar oportunidades de emprego para os jovens.

Talvez o ataque aos dirigentes da CCS permita que Lee Myung-bak volte a contar com a sua base de apoio da direita, que entretanto se esboroara, mas o certo é que nos últimos anos a CCS tem apelado regularmente a greves gerais, que geralmente não passam de uma suspensão do trabalho durante 4 horas e que são cumpridas apenas por uma pequena minoria de trabalhadores. A CCS, cuja verdadeira base é constituída por uma pequena elite de operários qualificados da indústria pesada, bem organizados e bem pagos, nada tem feito em defesa da força de trabalho precarizada, entre a qual é profundamente impopular.

De qualquer modo, desde há muito tempo que não havia um ataque desta dimensão contra as organizações operárias sul-coreanas, em resposta ao maior movimento de protestos de rua dos últimos anos. Pode até suceder que a repressão vá mais longe do que aqueles alvos simbólicos e vise impedir a mobilização de base dos trabalhadores. Um exemplo destas mobilizações de base foi a greve da E-Land, que durou desde o Verão de 2007 até à Primavera de 2008. Esta greve acabou por ser derrotada, mas mobilizou dezenas de milhares de trabalhadores precários que não estavam incluídos no pessoal propriamente dito da E-Land.


Comentários dos leitores

Rodolfo 14/8/2008, 19:59

Muito bom texto.


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