Morreu o grande poeta palestiniano Mahmoud Darwish

José Mário Branco / AP / Wikipedia — 11 Agosto 2008

darwish1_72dpi.jpgNa sequência de uma delicada operação ao coração, morreu este sábado, em Houston (Texas, EUA), o grande poeta palestiniano Mahmoud Darwish, com 67 anos de idade. É sem dúvida uma grande perda, para o povo palestiniano, para a cultura árabe e para a cultura universal.

Nascido em 1941 na aldeia de Al-Birwa (na Galileia), fugiu com os pais para o Líbano aos 6 anos de idade quando os habitantes foram expulsos pelos sionistas em 1948. Como muitas famílias palestinianas na altura, os Darwish voltaram clandestinamente a instalar-se em Deir al-Asad. A mãe era analfabeta, mas o pai ensinou-lhe a ler e a escrever. Mahmoud completou o ensino secundário e publicou o seu primeiro livro de poemas aos 19 anos. Nos anos ’70 saiu de Israel para estudar na Universidade de Moscovo, após o que viveu alguns anos entre o Líbano e o Egipto. Depois de ter sido membro do Rakah (o partido comunista israelita), Mahmoud Darwish aderiu em 1973 à OLP e foi impedido de voltar a Israel. Só em 1995 lhe foi dada autorização para residir na Palestina e vivia, desde então, na cidade de Ramallah, nos territórios ocupados. Há muito que padecia de problemas cardíacos graves.

A par com a poesia e o ensaio literário, centro da sua vida como escritor, Darwish sempre teve uma intensa actividade jornalística e política. Foi colaborador do Al-Ahram (Cairo, Egipto) e fundador-editor do Shu’un Filistiniyya [Assuntos Palestinianos] em Beirute. Eleito para o Comité Executivo da OLP (1987), é o autor da Declaração de Independência da Palestina (1988). Em 1993 demitiu-se da direcção da OLP por discordar dos Acordos de Oslo, exigindo reiteradamente que as negociações com Israel fossem mantidas a um nível “duro e justo”.

darwish2_72dpi.jpgMas o que fez dele um símbolo da resistência e da história do povo palestiniano foi, sem dúvida, a sua poesia, onde referia como suas influências principais, além dos árabes, os poetas ocidentais Rimbaud e Allen Ginsberg. Entre o primeiro livro, Pássaro sem asas (1960), e o último, Como as flores de amendoeira, ou mais além (2005), publicou uma quarentena de obras – além de 8 livros em prosa com memórias, ensaios, contos e críticas. A poetisa americano-palestiniana Naomi Shihab Nye disse dele: “Darwish é o Sopro Essencial do povo palestiniano, a eloquente testemunha do exílio e da saudade/pertença…” Mas a sua influência vai muito para além das fronteiras da Palestina e abrange todo o mundo árabe, e não só.

Nós, portugueses e ocidentais em geral, não imaginamos sequer a força incrível dos versos de Darwish junto das grandes massas populares: os seus recitais poéticos enchiam regularmente os maiores estádios de futebol do mundo árabe, onde dezenas de milhares de pessoas iam ouvi-lo e aplaudi-lo. Isto dá uma ideia da dimensão da perda sentida naqueles países. A Autoridade Palestiniana decretou três dias de luto nacional.

A grandeza deste poeta, com a seu inabalável amor à Palestina e o seu desprezo pela Israel sionista, traz-nos à memória uma declaração que nos fez Marwan Abado, o músico palestiniano (exilado em Viena, Áustria) que o Tribunal-Iraque trouxe a Portugal em Abril deste ano: “Sabes, há uma coisa que eu nunca serei na vida: uma vítima”.

Transcrevemos a seguir, na íntegra, o poema “Vão-se embora”, que foi lido na concentração unitária contra a guerra do Iraque em Março de 2007, em Lisboa.

VÃO-SE EMBORA
Mahmud Darwish

Passageiros entre palavras fugazes:
carreguem os vossos nomes e vão-se embora,
Cancelem as vossas horas do nosso tempo e vão-se embora,
Levem o que quiserem do azul do mar
E da areia da memória,
Tirem todas as fotos que vos apetecer para saberem
O que nunca saberão:
Como as pedras da nossa terra
Constroem o tecto do céu.

Passageiros entre palavras fugazes:
Vocês têm espadas, nós o sangue,
Têm o aço e o fogo, nós a carne,
Têm outro tanque, nós as pedras,
Têm gases lacrimogéneos, nós a chuva,
Mas o céu e o ar
São os mesmos para todos.
Levem uma porção do nosso sangue e vão-se embora,
Entrem na festa, jantem e dancem…
Depois vão-se embora
Para nós cuidarmos das rosas dos mártires
E vivermos como queremos.

Passageiros entre palavras fugazes:
Como poeira amarga, passem por onde quiserem, mas
Não passem entre nós como insectos voadores
Porque temos guardada a colheita da nossa terra.
Temos trigo que semeámos e regámos com o orvalho dos nossos corpos
E temos aqui o que não vos agrada:
Pedras e pudor.
Se quiserem, levem o passado ao mercado de antiguidades
E devolvam o esqueleto à poupa
Numa travessa de porcelana.
Temos o que não vos agrada: o futuro
E o que semeamos na nossa terra.

Passageiros entre palavras fugazes:
Amontoem as vossas fantasias numa sepultura abandonada e vão-se embora,
Devolvam os ponteiros do tempo à lei do bezerro de ouro
Ou ao horário musical do revólver
Porque aqui temos o que não vos agrada. Vão-se embora.
E temos o que não vos pertence:
Uma pátria e um povo exangue,
Um país útil para o olvido e para a memória.

Passageiros entre palavras fugazes:
É hora de vocês se irem embora.
Fiquem onde quiserem, mas não entre nós.
É hora de se irem embora
Para morrerem onde quiserem, mas não entre nós
Porque nós temos trabalho na nossa terra
E aqui temos o passado,
A voz inicial da vida,
E temos o presente e o futuro,
Aqui temos esta vida e a outra.
Vão-se embora da nossa terra,
Da nossa terra, do nosso mar,
Do nosso trigo, do nosso sal, das nossas feridas,
De tudo… vão-se embora
Das recordações da memória,
Passageiros entre palavras fugazes.


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