Moderadamente fascista?

António Louçã — 11 Novembro 2020

Presos políticos. Revolta da Marinha Grande, 18 Janeiro 1934

O acordo do PSD com o Chega nos Açores podia ter sido desautorizado pela direcção nacional do PSD, mas não foi. E podia ter sido logo aplaudido pelo chefe do Chega, mas também não foi. O PSD não via problemas nenhuns em ficar refém da extrema-direita, a extrema-direita é que punha condições para aceitar o PSD como refém. Quem se fez caro foi o Chega e quem se ofereceu pela primeira oferta foi o PSD. Logo aqui se entende quem está ao ataque e quem procura passar entre os pingos da chuva.

É verdade que a bravata de André Ventura sobre as condições exigidas ao PSD não passava disso mesmo e ninguém no seu perfeito juízo podia supor que o PSD pagasse para ser governo nos Açores com a moeda forte de um pacto nacional com o Chega, ainda por cima apontando a uma revisão constitucional. Mas Ventura fez o seu número e saiu por cima.

E quem lhe permitiu sair por cima? Desde logo o PS, tão farto de confraternizar com fascistas de todo o tipo, e de repente muito indignado por o PSD furar o cordão sanitário que era suposto todos os verdadeiros democratas manterem à volta do Chega. Com a virtuosa indignação, o PS reafirmava as suas afinidades de até aqui com o PSD, neste ignóbil bloco central de interesses que há mais de quatro décadas nos governa, e cobrava-lhe a fidelidade ao “centrão”.

Depois, com a deixa dada por António Costa, veio Rui Rio a terreiro, disfarçado de redentor democrático do Chega, e explicando candidamente que ninguém pode recusar um pacto regional contra a corrupção, mesmo que o parceiro seja o Chega — ou seja, um pacto com a raposa para garantir a segurança do galinheiro. E, à pergunta sobre a possibilidade de um pacto nacional, respondeu Rio com o remate fatal: sim, se o Chega “moderar” as suas posições.

A detestável família de eufemismos em torno do verbo “moderar” tem um longo cadastro de ser pau para toda a obra. Um partido extremista de direita pode tornar-se moderadamente extremista? Um partido fascista moderadamente fascista? É aceitável um partido que seja fascista mas não muito? Quanto é ser muito fascista? E quanto seria ser fascista q.b.? Existe um fascistómetro que ateste a legitimidade constitucional de um partido?

E também a isto respondeu André Ventura com a determinação de quem se considera detentor da pauta e da batuta: o Chega aceitará um pacto nacional com o PSD, se o PSD “radicalizar” as suas posições. Também é vago, ambíguo e demagógico, mas mostra ao menos quem é o dono do jogo.


Comentários dos leitores

Isabel Maria Viana Moço Martins Alves 24/2/2021, 5:42

Um artigo excelente.


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