As eleições nos Açores como amostra

Editor — 6 Novembro 2020

As eleições regionais nos Açores mostraram, uma vez mais, a tendência para a diminuição do peso relativo das forças do chamado bloco central PS-PSD. Na verdade, a perda da maioria absoluta que mantivera o PS à frente do governo regional (menos 7 pontos) não foi compensada pelo fraco crescimento do PSD (mais 3 pontos). Neste caso, porém, a deslocação do eleitorado dirigiu-se, quase exclusivamente, para a direita. A quebra da CDU e a estagnação do BE, por um lado, e o crescimento do Chega, do PPM e da Iniciativa Liberal, por outro lado, assim o mostram.

Não oferece surpresa, portanto, que o PSD apareça à cabeça de uma coligação reunindo a direita de todas as cores para liderar o governo regional. Como não seria surpresa que o fizesse (ou venha a fazer) em circunstâncias idênticas para o governo da República. Na verdade, o resultado dos votos na região autónoma autorizam-no a formar à direita aquilo que — por simetria com a “geringonça” de 2015 — já foi baptizado de “canranguejola”. Mas este é apenas o lado formal da questão.

Por outros motivos, mais políticos, também não há surpresa. A direita tem mostrado ser a fonte da extrema-direita, por mais linhas divisórias que tente traçar entre democracia e extremismo de direita. O líder do Chega é de extracção PSD; concorreu às eleições autárquicas pelo PSD em Loures, onde fez campanha aberta contra os ciganos sem que o partido o tentasse calar. Vários dos candidatos e dirigentes regionais do PPM, do Chega e da IL nos Açores são trânsfugas do CDS ou do PSD. O CDS nacional, à beira do colapso, imita a direita extrema na ilusão de lhe tomar o lugar.

Mais do que tudo, Rui Rio deu o tiro de partida para alianças como a que agora o PSD tenta forjar nos Açores quando há meses, no plano nacional, estendeu a mão a negociações com André Ventura, com a pífia condição “se o Chega mudar”…

Não foi preciso o Chega mudar para ter o PSD a pedir-lhe apoio. Bastou que o PSD tivesse diante de si a possibilidade de formar governo, abdicando de todos os “princípios” que invocou contra o PS em 2015 e contra todas as demarcações com o “populismo”. Portanto, não será por falta de vontade do PSD que um governo apoiado na extrema-direita não irá avante.

Se a amostra açoriana valer para o todo nacional, há umas quantas previsões seguras.

Caso resultem, em próximas eleições gerais (legislativas ou autárquicas), maiorias de direita como a dos Açores, teremos seguramente tentativas de instalar “caranguejolas” em S. Bento ou em municípios, eventualmente com o beneplácito do presidente da República e com a extrema-direita a ganhar a chancela de força democrática.

Não são juras de fidelidade à Constituição que impedirão a direita de acolher as propostas políticas da extrema-direita e fazer delas bandeiras suas, para além de promover simples alianças de circunstância — porque, como os factos mostram, não há nenhuma muralha da China entre direita e extrema-direita.

Se o PS se vir arredado do poder, não faltarão, dentro do próprio PS, vozes de direita a apontar o dedo à “geringonça”, e a exigir penitência pelo “esquerdismo” dos últimos anos. Recordarão o mesmo de sempre: o exemplo do senhor dr. Mário Soares, as coligações com o CDS ou o PSD e o espírito da Fonte Luminosa.

As propostas moderadas, “construtivas”, meramente defensivas da esquerda parlamentar e das organizações sindicais mostram-se incapazes de contrariar a atracção que a extrema-direita exerce sobre sectores populares ameaçados pela miséria, como se vê pelo eleitorado que a CDU perde consecutivamente.

A moderação não colhe quando os trabalhadores e a população pobre se sentem sem saída — submetidos a um regime político corrompido, a uma democracia feita à medida dos poderosos, a um capitalismo predatório que só garante retrocesso social. A saída começa por atacar tudo isto.


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