Caldo de cultura

Editor — 23 Julho 2020

Não se pode dizer que a pandemia apanhou tudo e todos de surpresa. Não se pode dizer que qualquer regime social, qualquer economia, qualquer forma de Estado seriam abalados como o mundo o está a ser.

Contra todos os alertas, as equipas de estudo da saúde pública e de prevenção de doenças e epidemias foram desarticuladas um pouco por todo o lado em nome de poupar nos gastos dos Estados. Os sistemas de saúde foram desmantelados, postos debaixo de fogo e reduzidos ao osso em favor da exploração privada. As redes públicas de transporte foram desleixadas durante décadas, depois alienadas e entregues a lógicas de lucro. A segurança social, na melhor das hipóteses, foi mantida nos limites mínimos, sempre acossada pela gula dos grupos financeiros.

Tudo isto, cá e lá fora, alastrou como uma nódoa sobre um tecido de penúria e de miséria que vai da habitação à educação, ao trabalho precário, aos salários degradados, ao desemprego, à marginalização social. Tecido que só o capital urdiu. O capitalismo não inventou o coronavírus, mas criou o caldo de cultura em que ele poderia proliferar. Como se vê.

Inversamente, é possível imaginar (mesmo timidamente) o que faria um estado ao serviço dos trabalhadores para prevenir e responder a semelhante emergência. Planeamento social seria a sua regra.

Contaria de há muito com prevenção sanitária e condições de sã habitabilidade. Manteria equipas permanentes de estudo e prevenção de doenças. Asseguraria reservas estratégicas de bens essenciais para toda a população. Determinaria antecipadamente os sectores essenciais de actividade que permaneceriam em funções e meios de transporte à medida. Promoveria a manutenção da ordem pública pela própria população organizada. Na emergência, reforçaria a investigação sobre vacinas e tratamentos para a pandemia, sem propósitos de concorrência ou de negócio. E tudo o mais aonde a imaginação ainda não chega.

Então, não nos digam que todos estamos igualmente implicados na situação.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalvess 2/8/2020, 17:27

Sabe-se que o lucro é uma espécie de cancro que se expande por todos os corpos sociais que existem com esse "vírus" no seu modo de vida nesse sistema. Nenhum país que o sustenta pode convenientemente evitar uma crise de dimensões incontroláveis e inesperadas, Vemos isso em todos os domínios da vida dos cidadãos, sobretudo naqueles que vivem do seu salário. Noutra sociedade não baseada na exploração do trabalho, claro que as orientações sociais devem ter outras prioridades que são impossíveis nas sociedades capitalistas. Apesar de tudo, agora com este fenómeno do covid temos exemplos que provocaram efeitos diferentes mesmo em países pouco desenvolvidos como é o caso de Cuba e da Coreia do Norte que os canais de informação do Ocidente ignoram intencionalmente.


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