Pandemia e futuro

José Borralho — 3 Julho 2020

Por uma alternativa que impeça a catástrofe

Cresciam os sinais de crise do capitalismo, nomeadamente numa desaceleração do crescimento da economia e nas tendências para o rebentar de uma nova bolha financeira, quando, inesperadamente, a isto se veio juntar a crise pandémica.

Eram de há tempo visíveis as tensões entre a UE e os EUA e entre estes e a China, quer pelas ameaças nacionalistas de Trump de aplicar mais impostos às mercadorias desses países, quer pela perda de influência dos EUA no plano militar, quer também pelo poderoso aumento de influência económica da China no mundo.

O papel crescente dos blocos liderados pela UE e pela China prenunciava a perda de influência dos EUA como imperialismo. Significa isto que as contradições entre imperialistas seguiam e seguem a par com a crise geral do capitalismo.

E fenómenos como o aparecimento de governos e movimentos populistas e, em muitos casos (EUA, Brasil, Hungria, Polónia, Áustria, etc.), com características de extrema-direita xenófoba e racista, tem sido a resposta aos governos social-democratas e às suas políticas corruptas ou de austeridade.

A pandemia veio agravar todas as contradições burguesas.

De repente, todos “viram” que tinham ficado dependentes da China, onde as grandes multinacionais instalaram as suas fábricas e empresas, e da mão de obra chinesa. Para poupar custos, grande parte dos países destruiu o seu tecido económico produtor de bens e transferiu-o para a China, ajudando-a a modernizar-se e a dar cartas a nível da economia mundial.

Uma vez desencadeada esta nova crise, o capital viu-se forçado a contrair a economia e a socorrer-se do Estado para injectar capital nas empresas e na economia em geral. E se, em muitos casos, os governos têm salvado da insolvência muitos milhares de micro e pequenas empresas, a injecção de dinheiro tem sido, ao mesmo tempo, um maná para as grandes empresas que, de forma oportunista e com a conivência dos governos, recorreram ao layoff para se recapitalizarem e dispensarem grande parte dos trabalhadores.

Esses sim, estão a ser as grandes vítimas de todo este processo, não apenas sendo penalizados em um terço dos salários, como engrossando em milhões o número de desempregados, de precários e de excluídos — excluídos das empresas, do mundo do trabalho e da própria sociedade.

São os trabalhadores que tudo produzem, são eles que consomem parte do que produzem para alimentar os lucros dos seus patrões; sem trabalho e emprego, como podem consumir?

Da União Europeia virão promessas de ajuda aos países, mas as suas contradições são tantas que o que virá será, seguramente, mais imposição de condições de austeridade e o engrossamento da dívida externa, a par com o aproveitamento dos patrões para entretanto encherem a pança como sempre têm feito.

Estamos assim perante um mundo mergulhado numa profundíssima crise do próprio sistema capitalista que tem pela frente a recessão, o aumento das contradições entre blocos económicos e militares. E temos, sobretudo, um futuro negro para a esmagadora maioria dos trabalhadores de todo o mundo.

Nem a corrida aos fundos estatais — que se esgotam — nem a introdução de novas tecnologias e o recurso ao teletrabalho evitarão o aprofundamento desta que já é uma enorme recessão económica. Nem evitarão uma crise estrutural do próprio sistema capitalista com consequências catastróficas para a sobrevivência de centenas de milhões de trabalhadores e das suas famílias.

Esta situação coloca-nos uma série de exigências:

– trabalho e salários para todos

– taxar o capital nos seus lucros

– protecção social ao emprego e à habitação

– redução do horário de trabalho

– garantia de que ninguém passará fome e todos serão auxiliados.

Essas exigências, deverão ser acompanhadas, não pela ilusão num crescimento económico utópico e conciliador de interesses opostos, mas pela elaboração de uma alternativa de substituição do capitalismo, por uma alternativa colectiva que impeça a catástrofe para onde nos encaminha o capitalismo e nos abra o horizonte para uma sociedade sem exploração, uma sociedade sem a sede do lucro que tudo envenena.

Está na hora de nos unirmos para lutar por uma sociedade socialista.


Comentários dos leitores

Manuel Martins 3/7/2020, 16:59

Estaremos todos no mesmo barco? Ninguém poderá ficar para trás, como afirma o BE, no seu afã reformista? Antes de ser possível unirmo-nos para lutarmos pelo socialismo, temos de limar as "arestas" entre nós.

"Porque é tão importante desmistificar definitivamente o carácter “socialista” da ex-URSS? Porque sem isso o pensamento comunista não poderá sair do eclipse em que foi mergulhado pela longa agonia desse regime. Se o movimento comunista recebeu dele inspiração e apoio na luta contra o capitalismo, ficou também preso nas contradições sociais, políticas e ideológicas que o enleavam.
O saudosismo idealizador da União Soviética (ou da China de Mao) não é uma prova de firmeza face à ofensiva da burguesia. Os proletários não precisam de ser consolados por uma imagem idealizada do passado; só se “digerirem” esse tremendo terramoto que foi a revolução russa estarão à altura de enfrentar os novos combates que se avizinham"

(https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/1997/10/socialista.htm).

A clareza, quanto a esta questão, é a "pedra de toque" para nos unirmos.

afonsomanuelgoncalvess 3/7/2020, 17:02

Muito reformismo individual em Portugal, alguma radicalidade também individual, mas quase nenhuma elite política revolucionária.

leonel clérigo 12/7/2020, 10:49

O Comentário acima de Manuel Martins (MM) e se não estou enganado, é também e em grande parte, um Comentário do saudoso Francisco Martins Rodrigues (FMR). Fiquei assim indeciso a quem responder. De qualquer modo vou agora (1) centrar-me mais em MM visto que há certas questões - outras com certeza que não - que se não devem aflorar publicamente. Nisto, os burgueses dão lições: um certo "infantilismo" teima ainda em permanecer.

1 - Se me é permitido dizer, no final da sua vida FMR colocou certas questões interessantes e outras controversas: umas certas, outras erradas, em minha modesta opinião. Ora MM tem feito um bom trabalho de divulgação dos "textos" do CHICO, um trabalho louvável - diga-se de passagem - mas ausente de qualquer "crítica" séria. Digamos que é apenas trabalho de "panegirista". Pergunto: qual o "objectivo"? Fazer um novo catecismo "morto" em vez de o transformar em coisa viva? O que de melhor poderia fazer-se ao Chico era olhar a sua vida de Revolucionário, separar o "trigo do joio" e daí retirar o seu importante contributo para a REVOLUÇÃO PORTUGUESA.

2 - O movimento Marxista em Portugal vem pecando pela sua falta de solidez: digamos que falta massa cinzenta". Digamos até: mesquinhez, falta de "rasgo". Basta dizer que os Marxistas portugueses ainda não conseguiram traduzir para a sua língua os QUATRO LIVROS de "O Capital" de Marx (as Edições Avante não dispõem ainda do Livro IV - TEORIAS da MAIS-VALIA) uma peça fundamental da Economia Política. E sem este conhecimento será difícil estabelecer qualquer Projecto Político-Económico sólido que nos dê um caminho, um rumo e que Lenine designou por "Análise Concreta da Situação Concreta". Daí a "pobreza franciscana" que por cá paira.

3 - Mas há um aspecto que MM revela no seu texto e que FMR reforçou no fim da sua vida: a questão da FRENTE (ampla) e que o levou a escrever o ANTI-DIMITROV. Julgo - se não me engano - que é isto o responsável pelo "ataque" ao BE que MM faz logo no início, de "chofre", sem ser "ponto de chegada". E vale dizer que as "preocupações" deveriam ser outras: como dizia o outro "com o mal (reformismo) dos outros, posso eu bem"...

4 - A questão do PARTIDO e da FRENTE é uma questão que merece séria reflexão: não se "arruma" com a facilidade com que o Chico a fez. Numa sociedade repartida em classes e fracções com "interesses" próprios - como é a Capitalista - julgo haver momentos Históricos (crises) em que essas classes e fracções têm tendência a "unirem-se", "aglutinarem-se" e constituirem "maiorias" - para defesa ou ataque - contra a classe dominante minoritária e suas classes e fracções que a rodeiam e protegem: a frente contra-revolucionária.
A tese do Chico de que este procedimento é uma velharia contra-revolucionária, julgo não ser correcta.

(1) - Razões de saúde proporcionaram este comentário tardio.


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar