Zeloso ministro, zeloso governo

Manuel Raposo — 18 Janeiro 2020

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva (e, com ele, o Governo), não se atreveu a abrir a boca quando os EUA, num acto de terrorismo de Estado, em violação de todas as normas internacionais, assassinaram em 3 de Janeiro o general iraniano Qassim Suleimani — que ia negociar um acordo de paz com a Arábia Saudita.

O ministro (e, com ele, o Governo) deixou assim de lado todos os preceitos das relações internacionais que, noutras circunstâncias, jura defender, como seja a Carta das Nações Unidas, que Portugal está obrigado a respeitar e fazer respeitar.

Santos Silva, sem vergonha, atreveu-se a abrir a boca dias mais tarde, a 8 e 10 de Janeiro, para condenar a retaliação do Irão contra bases dos EUA no Iraque. O acto de guerra criminoso dos EUA foi, portanto, coisa pacífica para o ministro. Mas a resposta, legítima, esperada, previamente anunciada e sem efeitos letais do Irão foi inaceitável.

Como se isto não bastasse para definir o carácter e a postura dum ministro (e, com ele, do Governo), Santos Silva quis fazer pedagogia diante dos jornalistas que lhe apontaram a (aparente) contradição de só criticar o Irão. Santos Silva esclareceu que “nós” (ele e o Governo) “não temos uma posição de neutralidade, ou equidistância entre os EUA e o Irão”. E ainda sublinhou, para os distraídos: “Não nos confundimos”.

Agarrado às calças de Trump, comportou-se (e, com ele, o Governo) como Durão Barroso em 2003, quando este, pressuroso, se fez estalajadeiro de Bush e Blair na Cimeira das Lajes, preparando a agressão ao Iraque, em contravenção da mesma Carta das Nações Unidas e espezinhando a opinião pública portuguesa.

Para quem se deixe encantar com a política “de esquerda” do PS na “frente interna”, talvez este episódio respeitante à “frente externa” sirva de alerta. É que a massa de que o Governo é feito é a mesma. E cabe por isso perguntar até que ponto levaria o ministro (e, com ele, o Governo) a sua não-equidistância e a sua não-neutralidade no caso de os EUA desencadearem uma nova guerra de agressão e para ela convocarem os “aliados”.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 20/1/2020, 11:48

A ONU e a Carta das Nacões Unidas desde há muito tempo perderam prazo de validade e agora em nova velocidade os países patrões da política e da guerra vém a sua caducidade como um trambolho inútil e insignificante. Não admira por isso que o ministro português muito determinado no seu Ministério mande para as malvas o que é absoleto desde há muitos anos. E como se costuma dizer "em tempo de guerra não se limpam armas".


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