Rand Corporation: como abater a Rússia

Manlio Dinucci (*) — 9 Outubro 2019

As conclusões de um relatório confidencial da Rand Corporation foram tornadas publicas recentemente, num brief [realizado em Maio de 2019]. O documento revela como gerir a nova Guerra Fria contra a Rússia. Algumas recomendações já estão a ser concretizadas, mas esta apresentação sistemática ajuda a compreender o seu verdadeiro objectivo.

Forçar o adversário a expandir excessivamente as suas forças, a fim de desequilibrá-lo e derrubá-lo — não é um movimento de judo, mas o plano contra a Rússia desenvolvido pela Rand Corporation, o think tank mais influente dos EUA que, com uma equipa de milhares de peritos, representa a fonte mundial mais fiável dos serviços secretos de informação e de análise política para os governantes dos Estados Unidos e para os seus aliados. A Rand Corp orgulha-se de ter contribuído para a elaboração da estratégia de longo prazo que permitiu aos Estados Unidos vencerem a Guerra Fria, obrigando a União Soviética a esgotar os seus recursos económicos no confronto estratégico.

É neste modelo que se inspira o novo plano, designado “Sobre-estender e desequilibrar a Rússia”, publicado pela Rand (1). Segundo os seus analistas, a Rússia continua a ser um poderoso concorrente dos Estados Unidos em alguns campos fundamentais. Por conseguinte, os Estados Unidos e os seus aliados devem levar a cabo uma estratégia conjunta de longo prazo que tire o máximo partido das vulnerabilidades da Rússia. É assim que são analisados os vários meios de desequilibrar a Rússia, indicando para cada um deles as possibilidades de sucesso, os benefícios, os custos e os riscos para os EUA.

Os analistas da Rand acreditam que a maior vulnerabilidade da Rússia é de carácter económico, devido à sua forte dependência das exportações de petróleo e gás. As receitas destas exportações podem ser reduzidas reforçando as sanções e aumentando as exportações de energia dos EUA. É objectivo obrigar a Europa a reduzir a importação de gás natural russo, substituindo-o por gás natural liquefeito transportado por mar a partir de outros países.

Outra maneira de prejudicar a economia da Rússia a longo prazo, é encorajar a emigração de pessoal qualificado, em particular, jovens russos com um nível de educação elevado.

No campo ideológico e informativo, devem ser encorajados os protestos internos e, ao mesmo tempo, prejudicar a imagem da Rússia no estrangeiro, expulsando-a dos fóruns internacionais e boicotando os eventos desportivos internacionais que ela organiza.

No campo geopolítico, armar a Ucrânia permite que os EUA aproveitem o ponto de maior vulnerabilidade externa da Rússia, mas isso deve ser ajustado para manter a Rússia sob pressão, sem atingir um grande conflito em que ela levasse a melhor.

No campo militar, os EUA podem ter grandes benefícios, com baixos custos e riscos, através do aumento das forças terrestres nos países europeus da NATO trabalhando em função anti-Rússia. Os EUA podem ter grandes oportunidades de serem bem sucedidos e terem altos benefícios com riscos moderados, investindo, sobretudo, em mais bombardeiros estratégicos e mísseis de ataque de longo alcance contra a Rússia.

Sair do tratado INF [tratado de redução de forças nucleares de alcance intermédio] e instalar novos mísseis nucleares de alcance intermédio apontados contra a Rússia asseguram grandes possibilidades de êxito, mas também envolvem riscos elevados.

Calibrando cada opção para alcançar o efeito desejado — concluem os analistas da Rand — a Rússia acabará por pagar o preço mais alto no confronto com os EUA, mas até mesmo os norte-americanos terão de investir grandes recursos, que por isso não estariam disponíveis para outros fins. Anuncia-se, assim, um aumento ainda maior das despesas militares EUA/NATO em detrimento das despesas sociais.

Este é o futuro previsto pela Rand Corporation, o mais influente think tank do “Estado Profundo”, ou seja, do centro subterrâneo do verdadeiro poder, sustentado pelas oligarquias económicas, financeiras e militares, o poder que determina as escolhas estratégicas não só dos EUA, mas do todo o Ocidente.

As “opções” previstas pelo plano são, na realidade, apenas variantes da mesma estratégia de guerra, cujo preço, em termos de sacrifícios e riscos, é pago por todos nós.

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(*) Geógrafo e analista geopolítico. Escreve no jornal italiano Il Manifesto. Artigo publicado em 21 Maio 2019
(1) Overextending and Unbalancing Russia. Assessing the Impact of Cost-Imposing Options, by James Dobbins, Raphael S. Cohen, Nathan Chandler, Bryan Frederick, Edward Geist, Paul DeLuca, Forrest E. Morgan, Howard J. Shatz, Brent Williams, Rand Corporation, May 2019.


Comentários dos leitores

Emília Montemor 11/10/2019, 13:19

O CAPITALISMO e “OS AMANHÃS QUE CHORAM…”
Quando um Modo de Produção - como hoje o do Capitalismo - entra em declínio, é preciso muito “cuidado com ele…” Seu “espernear” desesperado torna-o altamente perigoso. E para evitar a “morte” é capaz de tudo: as lutas sociais de hoje pela “sustentabilidade” ou o “aquecimento global”, serão brincadeiras de criança comparadas com uma luta total séria e necessária contra um tal inimigo do “homo sapiens”.
A História não regista o “suicídio” de qualquer anterior classe social “exploradora do trabalho alheio” e, a diminuta classe capitalista parece - a acreditar no relatório da “RAND CORPORATION” - que não será excepção. Mesmo olhando-se a sua “estupidez” face às enormes capacidades produtivas de que a humanidade, no seu conjunto, já dispõe hoje.
Adivinham-se tempos dramáticos. E resta agora tirar a limpo se o “bom-senso” acabará derrotado pela revisitada lengalenga “democrática” ao estilo “churchilliano” da OPERAÇÃO IMPENSÁVEL…

leonel clérigo 14/10/2019, 12:46

ÁGUAS PASSADAS…MOVERÃO MOÌNHOS?
Curiosas estas notas de Emília Montemor sobre a encruzilhada dum Capitalismo já sem alternativas…”pacíficas”. Mais um sinal de decadência?...
Por cá, na nossa “chafarica” - como é hábito por artes da “osmose”… - há quem comece já a “trabalhar” o discurso para “unir” o “palonço das berças” na inevitável “bordoada”. A lógica é simples: a destruição maciça, pela "guerra", de “mercadorias” em “excesso” e por esse mundo fora, proporcionam um “vazio” necessário ao incentivo de um novo ciclo Kondratiev: em 30 anos, o pau vai e vem e as costas podem folgar.
É certo que fica um rasto de milhões de “Homo Sapiens” em valas comuns: uma guerra destas não se resolve à maneira dos “jogos de computador”. Mas que interessa isso comparado com as novas gerações de “telemóveis” que daí vêem para o MERCADO?
Os “Marechais-de-campo” - de formato lusitano - já andam por aí nas TVs (e não só): recordam Churchill com lágrima no olho e, lá no fundo da alma, a OPERAÇÃO IMPENSÁVEL. Afinal, o homem tinha carradas de “razão”: porque não se aproveitou o 1 de Julho de 1945 para começar a 3ª Guerra Mundial? Teria ficado tudo resolvido de vez. Só nos falta então saber quem serão hoje os “nossos” Churchill e Visconde de Alanbrooke. E, pessoalmente, entre Passos e Portas, julgo este mais homem de “estratégia” política…Tem é que engordar para o dobro. O outro, está bem assim.

leonel clérigo 15/10/2019, 12:58

UM PROSCRITO NAS PRISÕES BURGUESAS: A CIÊNCIA da HISTÓRIA
A releitura do texto de Emília Montemor levou-me agora a um segundo comentário e por considerar forçoso trazer aqui um seu “complemento”.
É sabido que Ciência da História não é hoje coisa do “agrado” do que a nossa Burguesia entende por “CONHECIMENTO”. E, talvez por isso, esta bela Ciência acabou por entrar na esfera do “Contrabando” ao estilo dos S. S. Montefiore.
1 - Apesar do tempo passado, continua a ser muito deficiente a compreensão das Guerras Mundiais de 14-18 e 39-45, ainda envolvidas em tretas “democráticas” sem sentido. E não só quanto à sua “origem” mas também aos seus “desenvolvimentos posteriores”.
Por exemplo e quanto à sua “origem”, fica-se com a “ideia” que as duas Guerras Mundiais “caíram do céu aos trambolhões” - sem “causa e efeito” - por entre as “tricas” da “Democracia” com o “Totalitarismo” - ou do “Democrata” Churchill com os Totalitário “nazi” Hitler e o “soviético” Estaline - uma “explicação” de “alto gabarito” que nos deixa “pregados ao chão” com tanta inteligência “anti-Teleológica”.
Mas não só. Obras importantes caíram no “esquecimento” e mais: nunca foram por aqui “reveladas”. Vi referido recentemente a falta de “encontrarem-se livrarias decentes”. Mas há mais que isso: “editoras decentes”. Como é possível não haver tradução “nossa” do importante “As consequências económicas da paz” de J. M. Keynes, alguém que foi o representante Britânico do Tesouro na conferência de Versalhes e fez luz, como ninguém, sobre os “meandros escondidos” das duas guerras mundiais? Alguém que saiu de Versalhes “convicto” que uma outra guerra estaria “na forja”…e acertou.
2 - É sobre a OPERAÇÃO IMPENSÁVEL concebida por Churchill e trazida acima por E.M. que vale a pena esgravatar um pouco mais.
O “fecho” do Mediterrâneo (com a batalha do Norte de África) assim como o do Atlântico, forçou Hitler a avançar para Leste apesar de Estalinegrado ter sido já um aviso de “empreitada difícil”.
Além disso, a compreensão clara de Estaline sobre o papel decisivo da Industrialização na guerra moderna, fez deslocalizar a “indústria” para os “longínquos” Urais e montar aí uma “máquina de guerra” moderna e numerosa sem as “perturbações anárquicas” não permitidas agora pelo socialismo.
Quando Hitler se vê “empurrado” pelos “Aliados” a avançar para leste devido aos “fechos” do Atlântico e do Mediterrâneo, já não tinha alternativa - por isso irá adiar a “ofensiva” por várias vezes. E os soviéticos (comandados pelo marechal Georgy Jukov) já estavam à sua espera. Junto à cidade de Kursk, na Bielorússia, deu-se a “maior batalha de tanques” de sempre, cujo resultado foi a derrota em toda a linha das célebres “divisões Panzer” nazis, uma das grandes “protagonistas” desta guerra (a outra foi a “bomba atómica” dos USA).
3 - Foi em Kursk que se decidiu a guerra, coisa que os Aliados “não esperavam tal desfecho”. A partir daí, restam apenas as “peripécias” (dramáticas) da chegada - em primeiro lugar - do Exército Vermelho a Berlim (Operação Kutuzov). Tal como as “peripécias” da Normandia a “Berlim”, ao estilo “tapa-buracos” para não “perder a face”.
Junto ao final da guerra, já em 45, Estaline ordenou ao Marechal Jukov que abandonasse o teatro de guerra e viesse a Moscovo. Havia uma razão de peso para isso: Estaline estava já alertado com o comportamento dos “aliados” britânicos. A razão não era para menos: enquanto as forças soviéticas desarmavam e aprisionavam as forças alemães vencidas, os britânicos não: cooperavam com os alemães permitindo-lhes continuar a conservar a capacidade militar: era a “OPERAÇÃO IMPENSÁVEL” de Churchill “em marcha” e em contradição flagrante no violar do acordo entre os governos. O objectivo “escondido com rabo de fora” era a continuação da guerra (a dita 3ª Guerra mundial, a Operação Impensável) , agora com a União Soviética, “reforçando-se” o Exército com um "NOVO ALIADO": o que restou do grande exército Nazi. Afinal, Hitler era entendido como “mais democrata” que Estaline.
Será isto mais uma habitual mentira do “totalitário” Estaline, o maior “comedor de criancinhas” ao pequeno-almoço que se conhece desde as “cavernas”? No depoimento “tardio” do Marechal-de-campo Bernard Montgomery afirmou este, ser verdadeiro o que Jukov denunciara sobre o “comportamento” dos Britânicos no final da guerra. Como militar, disse Montgomery, “não lhe restara alternativa”.
4 - Continuamos à espera que os nossos Historiadores ganhem uma coisa que eu aqui não digo - para não ferir susceptibilidades - e que a "névoa" que paira sobre o nosso passado se dissipe. A começar pelo o "Fascismo salazarista" e a “chave reveladora” dos seus segredos que é o Imperialismo (colonialista). E talvez aí as Livrarias ganhem então certa “decência”.


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