Autoritarismo de Costa não tira férias

António Louçã — 6 Outubro 2019

A cena em que o primeiro-ministro se exalta contra um idoso e cresce para ele é, talvez, uma derrapagem que em retrospectiva o próprio Costa preferia ter evitado. Mas é daquelas derrapagens que nos revelam, até pela sua espontaneidade, o que poderia tornar-se um PS descontrolado, a reinar sobre o país com maioria absoluta.

Os factos: em tom cordato, um eleitor anónimo interpelou António Costa no final de uma arruada de campanha. Disse-lhe que estava relutante em votar no PS e começou a explicar que o primeiro-ministro, estando nas suas “merecidas férias” quando foi a tragédia de Pedrógão Grande … e aqui foi interrompido por Costa, exaltado, a dizer-lhe que isso é mentira. Costa virou-lhe as costas, mas em seguida voltou atrás, crescendo para ele e sendo apartado do interlocutor pelos seus acompanhantes e/ou guarda costas. Já apartado, lançou ainda que o homem era “um provocador”, certamente “plantado” ali pelo PSD e o CDS.

Um pouco mais tarde, tendo serenado, Costa reafirmou a tese da cabala dos dois partidos de direita, a plantarem o “provocador”, e justificou-se dizendo que “há um limite para tudo”.

Mais factos: realmente, Costa não esteve de férias durante a tragédia de Pedrógão Grande; realmente, o seu interlocutor fora autarca do CDS e é provável que tenha falado na “relutância” em votar no PS apenas como isco para atrair a atenção do recandidato a primeiro-ministro.

Um epílogo: o PS anunciou que irá apresentar uma queixa-crime por difamação contra o interpelante e contra terceiros, supondo-se que esses terceiros sejam os alegados mandantes da “provocação”.

Se a história das férias em tempo de tragédia é uma mentira sobejamente desmascarada, também à reacção do líder do PS falta qualquer ponta por onde se lhe pegue. É que a afirmação errada do homem não era forçosamente difamatória. Ou, pelo menos, não o tinha sido até ao momento em que Costa o interrompeu, e não teve oportunidade de sê-lo depois, precisamente porque foi interrompido.

Com efeito, se Costa por acaso tivesse estado ausente em férias no momento da tragédia, isso não poderia ser-lhe apontado como uma falta. Iria o interlocutor prosseguir o seu discurso, criticando-o por não ter interrompido as férias? Talvez. Mas aí seria fácil explicar que Costa não podia interromper umas férias que não estava a gozar. Se estava para ser lançada uma crítica infundada, ela não chegou a sê-lo. E menos ainda houve alguma difamação.

Do mesmo modo, é absurdo falar numa cabala do PSD e do CDS. Quem dispara em todas as direcções, fá-lo por não ter um alvo preciso. Reuniram-se o PSD e o CDS para combinarem “plantar” um provocador octogenário no caminho de Costa? Não será muita parra para tão pouca uva? E, se não se reuniram, foi apenas um deles? E, se foi um deles, qual foi? E, se foi um deles, qual dos seus organismos estatutários terá organizado o complot?

Depois da intimidação física de Costa contra o idoso, vem a intimidação judicial do PS contra os nebulosos “difamadores”. Ambas as intimidações prolongam o espectáculo de prepotência e autoritarismo que o Governo nos deu ao mandar a polícia reprimir os estivadores, ao mandar o exército furar a greve dos camionistas e ao decretar a requisição civil para que a Ryanair pudesse continuar a violar a lei portuguesa em nome da lei da selva.

A arruaça de Costa é um retrato de corpo inteiro de uma maioria absoluta do PS.


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