Cimeira do Clima em tom de farsa

Urbano de Campos — 25 Setembro 2019

A farsa mundial montada à volta da adolescente sueca Greta Thunberg chegou ao cume com o discurso patético que a jovem fez em Nova Iorque, na Cimeira da Acção Climática. De lágrima teatral e voz embargada, “acusou” os dirigentes mundiais de não fazerem “o suficiente”. Uma reclamação à medidas das conveniências: é preciso que o mundo inteiro acredite que a solução sairá das mãos dos dirigentes mundiais e de dentro do próprio sistema que eles cuidam em manter.

A emoção criada em torno do Clima mobiliza muita gente — sobretudo jovens, e nos países desenvolvidos — mas tem o condão, bem calculado por quem manobra na sombra, de desviar essa gente do centro do problema.

Todos os discursos sobre o tema das alterações climáticas subentendem, quando não afirmam mesmo, que a questão não é nem ideológica, nem partidária, nem política — porque, dizem, toca “a espécie humana” e “o planeta”. Esta aparente maximização do assunto é a forma mais eficaz de despolitizar um problema cuja solução é exclusivamente política.

O que está em causa é o processo como o modo capitalista de produção, tornado planetário e hegemónico, degrada as condições de vida dos indivíduos e dos grupos populacionais e destrói os recursos naturais disponíveis, para assegurar a sua sobrevivência como sistema de produção. A necessidade de acumulação contínua de capital, cada vez mais acelerada e cada vez mais competitiva — com todos os desperdícios que isso provoca — está no centro do problema.

Todas as sociedades humanas e todos os modos de produção, de alguma maneira, foram destruindo meio-ambiente e recursos. Mas o capitalismo imperialista de hoje, mundializado, atingiu o paroxismo no que a isso respeita. Mais, a crise de senilidade que o atinge irremediavelmente agudiza ao extremo a competição entre as grandes potências — como a agressividade da política de Trump põe à vista — fazendo da depredação dos recursos, humanos e naturais, uma pulsão irreprimível que direcciona o comportamento do capitalismo, hoje com consequências catastróficas de escala mundial. Esta espécie de vontade cega é sinal do esforço desesperado de sobrevivência, à custa de tudo e de todos, de um sistema social historicamente ultrapassado.

Não estamos, pois, perante um problema de “políticos” ou de “políticas”, no sentido curto dos termos. Estamos perante uma questão de poder — o poder de um sistema social-económico-político devastar, na sua decadência, as próprias condições de existência da sociedade humana. É esse poder que precisa de ser destruído pela raiz.

Distrair as atenções de milhões de pessoas deste foco — concretamente, a depredação capitalista —, propondo-lhes ilusórias reformulações comportamentais do mesmíssimo sistema de poder, significa dissolver uma tomada de consciência que toque o nervo da questão. E que é este: as catástrofes que se perfilam no horizonte próximo são de tal monta, e a sua decorrência do capitalismo de hoje é tão absoluta, que é necessária uma revolução social anticapitalista para as prevenir.

Pode comprovar-se esse desviar de atenções pelo facto de o destaque dado às preocupações ambientais tenderem a sobrepor-se e a apagar uma série de outros problemas cruciais do mundo de hoje, em vez de com eles se articularem. Ainda recentemente, a Organização Mundial de Saúde revelou que, em 2030, mais de metade da população mundial (cinco mil milhões de pessoas) continuará sem acesso à Saúde. Acrescentem-se os outros problemas crónicos — água e saneamento, alimentação, habitação, pobreza em geral, escolaridade, participação política, etc. etc. — e componha-se com isso o quadro geral do mundo em que vivemos.

Excluídas da agenda “ambientalista” estão também essas outras devastações ambientais que dão pelo nome de agressões militares, golpes de estado ou embargos económicos — em que os EUA e a UE se especializaram — que causam milhões de mortos e de estropiados, desemprego generalizado, caos económico, atraso crónico, deslocados em massa, migrações mortíferas, desarticulação de instituições estatais, predomínio de sectarismos.

Por este caminho, a degradação ambiental, entendida no sentido estrito de afectação dos recursos naturais, tende a ser o alfa e o ómega das preocupações das classes médias do mundo desenvolvido em defesa do seu modo e vida — com tudo o que isso implica de alheamento dos demais problemas da maioria da população mundial.

A jovem sueca tornou-se uma marioneta nas mãos de dirigentes sabidos que têm um propósito claro: tratar a população mundial como um rebanho que importa desviar do alvo.

O “ambientalismo” tem sido por isso acarinhado, pelas forças que detêm o poder por esse mundo fora, como ideologia de substituição da acção política transformadora. E a manobra tem a capacidade de atracção que se tem visto no mundo capitalista desenvolvido (o mundo restante está demasiado ocupado com a simples sobrevivência) precisamente porque a consciência política e a acção de massas apontadas para uma transformação social radical atravessa um, já muito longo, período de maré baixa.


Comentários dos leitores

António Alvão 10/10/2019, 20:40

"Os grandes espíritos sempre encontraram uma violenta oposição da parte de mentes medíocres" - Einstain. - As crianças rebeldes, desde a inquisição às revoluções e ditaduras, têm pago milhares delas com a própria vida.
No caso da Greta, se ela não abraçasse nenhuma causa, se não fizesse nada, se não dissesse nada; não era injuriada, caluniada, insultada, etc. por adultos, que parecem ter um certo prazer em"açoitar" verbalmente a criança - talvez para se sentirem fortes!(?) - curioso é encontrar pessoas, que para o efeito, se encontram numa fusão ideológica, não combinaram, penso eu(?) - mas é indicio de que Têm muito em comum ideologicamente(.)- Por outro lado, deixa parecer de quererem que as crianças da escola façam aquilo que os adultos não são capazes de fazer! O apetite de instrumentalizar crianças e não só, é muito usual nos autoritários de mente estreita, que ao longo da história não Têm olhado a meios para atingir os fins. O resultado está à vista, infelizmente.
O movimento universal dos adolescentes escolares está no inicio. O saldo para já, em minha opinião, é positivo e, estou com eles, sem medo dos açoiteiros, venham de onde vierem!


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