Por isso o PS capitaliza…

Manuel Raposo — 29 Julho 2019

Não é precisa muita especulação para se perceber que não há mistério nenhum na previsível subida da esquerda parlamentar e na queda abrupta da direita. As últimas sondagens apontam uns 59% para a esquerda (PS 43%, BE 9%, CDU 7%) e uns 27% para os dois partidos da direita (PSD 21%, CDS 6%).
Não há mistério, porque o contraste com os tempos da troika entra pelos olhos dentro: as pessoas, como é óbvio, preferem viver melhor (ou menos mal) do que pior.

O PSD e o CDS, por mais voltas que dêem, não conseguem fazer apagar da memória dos trabalhadores (e, pelos vistos, da maioria do eleitorado) a devastação que fizeram durante quatro anos em nome do bem geral — que era afinal o bem da banca, do grande patronato, dos credores da dívida pública. E, por mais argumentos especiosos que inventem, não conseguem anular a sensação de alívio que a população sentiu quando Passos e Portas foram à sua vida e a canga da troika ficou mais leve.

Tanto basta para explicar porque é que a direita cai nas sondagens. Mas, à esquerda, a análise tem de ser mais fina.

O facto de o PS — com o seu eterno jogo de entendimento à esquerda e à direita — se abeirar da maioria absoluta revela que o grosso do eleitorado aposta numa solução política moderada, na esperança de manter o curso dos acontecimentos dos últimos quatro anos.

Esse curso, recorde-se, consistiu na habilidade de conciliar o respeitinho religioso pelas imposições do grande capital europeu (que o capital português faz suas) com um ligeiro alívio da situação catastrófica da massa trabalhadora e das classes médias baixas. Tanto bastou para criar a ilusão do paraíso.

A deslocação à esquerda do eleitorado é, por conseguinte, apenas o suficiente para recusar as soluções brutais, castigadoras, da direita.

Esse outro facto — correlativo da subida do PS — de os parceiros do governo ficarem largamente para trás (mais do que em 2015) mostra precisamente a fraqueza política do arranjo da presente legislatura. O arranjo, ditado pelas circunstâncias saídas das eleições de 2015, foi eficaz para levar a cabo aquela via conciliadora — mas evidencia a despolitização da massa trabalhadora.

Um espelho disso mesmo está na desproporção entre as lutas levadas a cabo pelos sectores assalariados médios (sobretudo do Estado) e as lutas, muito mais esporádicas e isoladas, dos sectores operários sujeitos ao capital privado.

Concretamente, a massa trabalhadora não ganhou nestes quatro anos independência política, não marcou distâncias face ao poder, em suma, não traçou vias próprias para levantar as suas exigências de classe para além dos aspectos reivindicativos imediatos. Pelo contrário, a acreditar nas sondagens, parece ter ficado mais dependente do poder e mais crente na boa-fé do Governo.

A acção tanto do BE como do PCP não ultrapassou uma espécie de sindicalização da política. Exigiram do PS mais do que ele faria por si, sem dúvida, mas segundo a via do equilíbrio conciliador que ele traçara como linha geral. Mesmo quando, no plano reivindicativo, bateram o pé ao Governo, mantiveram-se, ainda assim, numa dependência estratégica face ao PS no plano político. Por isso o PS capitaliza.

Ora, a relativa paz económica que permitiu ao Governo equilibrar as exigências europeias com algumas melhorias imediatas, pode terminar a qualquer momento — basta uma recaída da crise de 2008, que todos os entendidos dizem ser inevitável. Nessa altura, o capital vai querer retomar a linha da troika com juros, tanto em termos económicos como políticos. E é diante disso que aquela despolitização e aquela dependência tornam a massa trabalhadora perigosamente vulnerável.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 30/7/2019, 17:12

Chegado o veráo a contestação sicial na Europa parte para férias e a paz social que existe entre nós converge com eleições para a Assembleia da Republica com prognósticos aterradores para os partidos que no governo anterior expropriaram sem apelo os trabalhadores nos direitos elementares para a sua vida.
Considerando que estes 4 anos foram vividos com o retorno dos direitos expoliados António Costa e o PS adquiriram a popularidade desejada para as próximas eleições sobrando para o PCP e o BE a habitual franja eleitoral que de certo modo não desapontou e para surpresa de Cavaco que ficou num estado de nervos em desatino que o levou irracionalmente a apresentar na Assembleia um governo nomeado por ele à revelia da Constituição. A atitude merecia uma gargalhada geral mas o sentido de humor esteve ausente no pais. Iludidos ainda que o PS é um partido de esquerda a cortezia do PC e do BE pouco ou nada reclamou relativamente à gestão capitalista que entretanto o PS ia actualizando em sintonia com o PSD e o CDS e por isso poucas ou nenhumas reclamaçoes. Nem um aviso de uma moçáo de censura foi lembrado a propósito das leis laborais, do Serviço Nacional de Saúde, das leis sobre a habitação, etc. Nunca lhes passou pela cabeça ideia tão macabra e os perigos desta sentença eram imprevisíveis, só que agora aparece Louçã em desespero ao afirmar que a conquista da maioria absoluta pelo PS implica uma política de terror depois de peceber que favoreceu excessivamente o PS e prejudicou a esquerda que tanto medo provoca no "capital democrático" que apesar de tudo se sente "ameaçado" pelo populismo das forças da extrema-direita que náo dão tréguas e são implacáveis. .


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