Política migratória da Europa mais desumana que a dos EUA

António Louçã — 3 Julho 2019

A política de Donald Trump face aos migrantes que lhe batem à porta é uma vergonha e um crime contra a humanidade. Mas a política da União Europeia, pelas consequências que tem e pelas mortes que causa, é ainda pior.

Nos Estados Unidos, há famílias que atravessam o deserto e morrem de sede. Outras atravessam-no e são espancadas por bandos de rufias armados em “vigilantes”. Há também os migrantes que chegam à fronteira e são detidos em campos de concentração (como bem lhes chamou Aleksandria Ocasio-Cortez, para grande escândalo da opinião pública mais farisaica).

Nos campos de concentração, imperam condições de higiene indizíveis, como puderam constatar os congressistas que foram inspecioná-los. Migrantes detidos – homens, mulheres e crianças – facilmente permanecem vários dias sem receberem alimentos e já houve casos de morte por desidratação. Mais recentemente, abalou as consciências uma fotografia de pai e filha, salvadorenhos, mortos por afogamento ao tentarem passar a fronteira.

Mas nas migrações para a Europa não morre hoje um por desidratação e amanhã dois por afogamento. Têm morrido milhares, em naufrágios no Mediterrâneo, e nem é possível saber ao certo quantos foram, ou quantos continuam a ser todos os dias.

A política de Bruxelas consiste em varrer os cadáveres para debaixo do tapete ou em escondê-los dentro do armário. Tenta, por um lado, chegar a acordos para a criação de campos de concentração nos portos de origem. Desde que não venham perturbar o sossego da Europa, os migrantes podem ser entregues a senhores da guerra ou a capacetes azuis em países tão destroçados como a Líbia. Aí ficam sujeitos a qualquer traficante de escravos ou a qualquer abusador sexual, muitas vezes portador de credenciais da ONU.

Por outro lado, a política de Bruxelas consiste em assobiar para o lado quando os migrantes chegam à Europa e em deixar o problema onde ele primeiro se manifestou. A indiferença autista de Bruxelas oferece à extrema-direita – na oposição grega ou no governo italiano – uma bandeira para a vitimização dos seus países, como principais portadores do fardo que é o acolhimento de milhares de pessoas.

E é um facto que Bruxelas nem sequer zela para que exista uma política europeia de redistribuição dos migrantes: os passageiros do Sea Watch serão acolhidos por Portugal, França, Alemanha, Luxemburgo e Finlândia, e não consta que a União Europeia tenha tido qualquer intervenção para convencer os governos desses cinco países ou doutros.

Do mesmo modo, a União Europeia tem-se limitado a débeis protestos contra a violência do Governo fascistóide da Hungria contra os migrantes que lhe aparecem na fronteira e nada tem feito para castigar exemplarmente as violações do direito internacional humanitário na fronteira terrestre da Hungria ou na fronteira marítima da Itália.

Significativamente, no caso do apresamento do Sea Watch, os protestos europeus têm sido contra a detenção da sua comandante, Carole Rackete, como se não devesse ser objecto de severas sanções a recusa de auxílio a pessoas em perigo de vida e acabadas de resgatar do mar pela heróica tripulação desse navio. Mas a frouxidão europeia é a típica atitude de uma Europa que tem consciência de ter dado o flanco à demagogia de Matteo Salvini, quando este a acusa de também não se importar com o destino dos migrantes.


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