Espanha: criminalizar a solidariedade

Manuel Raposo — 15 Junho 2019

Ao mesmo tempo que o escandaloso julgamento político dos independentistas catalães decorre em Madrid, um outro julgamento — muito menos mediático, mas igualmente revelador dos propósitos políticos da Justiça herdada do franquismo — segue trâmites nos tribunais espanhóis. Três militantes de uma organização comunista (Red Roja) estão acusadas, nada menos, de “financiamento do terrorismo”. O acto concreto que, para a Justiça espanhola, justifica esta acusação foi a recolha e entrega de fundos em apoio dos palestinos, quando estavam debaixo de fogo da tropa israelita.

A Red Roja promoveu, em meados de 2014 e no final de 2015, a recolha de ajuda económica destinada ao povo palestino. Ángeles Maestro, dirigente da organização, com mais duas militantes, María e Beatriz, eram titulares da conta bancária em que a ajuda foi recebida.

Em ambas as ocasiões, houve campanhas militares do estado de Israel que resultaram em centenas de mortes, milhares de feridos e destruição maciça de casas e edifícios, sobretudo na Faixa de Gaza. As contribuições, destinadas à ajuda humanitária, foram enviados às organizações que a Red Roja entendeu serem representantes legítimos do povo palestino. No primeiro caso, os fundos foram entregues a Leila Khaled (da FPLP), que na altura visitava diferentes regiões do Estado espanhol — chegando a ser recebida por representantes institucionais — e, no segundo caso, foram entregues a representantes da Autoridade Nacional Palestina.

No depoimento perante o Tribunal, em 5 de Fevereiro, Ángeles Maestro assumiu total responsabilidade pela realização das campanhas de fundos — uns modestos 5.300 euros em 2014 e 3.085 em 2015 — para ajudar na reconstrução de escolas e hospitais. O cumprimento deste objectivo foi acreditado por meio de um documento oficial da Autoridade Nacional Palestina apresentado perante o Tribunal.

O Tribunal rejeitou, em 10 de Junho último, um pedido de arquivamento do caso e determinou levá-lo a julgamento na base de “financiamento do terrorismo”. As penas previstas no Código Penal vão de dois e dez anos de prisão e multas de três vezes os valores enviados.

A acusação teve origem numa denúncia feita pela associação israelita “The Lawfare Project Spain” e argumenta como o facto de Leila Khaled ser dirigente da Frente Popular de Libertação da Palestina.

A FPLP não reconhece o estado de Israel e defende a criação de um só estado na região, englobando palestinos e israelitas. Tanto basta para que Israel, os EUA e a União Europeia tenham decidido classificar a FPLP de “terrorista” e, à sombra disso, criminalizar os actos de solidariedade para com as vítimas do, esse sim, terrorismo israelita, como sucede no caso das activistas espanholas.

Como a Red Roja salienta, a acusação visa atemorizar e desactivar a solidariedade para com a Palestina, amplamente difundida na sociedade espanhola. Há pois que romper o silêncio dos meios de comunicação sobre o caso, denunciar a sua natureza de perseguição política e manifestar pleno apoio às activistas acusadas.

(Texto baseado em comunicados difundidos por Red Roja, www.redroja.net)


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