A cultura e as pistolas

António Louçã — 17 Janeiro 2019

Os anfitriões de Marcelo em Brasília não perdem uma ocasião para mostrar o que querem fazer da cultura.
A última foi a ministra Damares Alves, ao criticar a sua própria seita evangélica por ter capitulado perante a ciência. Diz a ministra que a igreja nunca devia ter deixado a teoria da evolução substituir nas escolas a lenda bíblica dos sete dias da Criação.

Com isto, retrocede ao século XIX, quando as várias igrejas cristãs insultaram Charles Darwin como um descendente de macacos. Depois, talvez a ministra queira ainda retroceder ao século XVI, e rotular Galileu como um herege que punha em dúvida a rotação do Sol em torno da Terra.

A caudalosa e exuberante cultura brasileira está na mira, telescópica, de uma camarilha de trogloditas, apostados em fabricarem um Estado teocrático. Já durante a campanha, Jair Bolsonaro mostrara bem o que pensa da cultura e que futuro gostaria de destinar-lhe, ao gracejar que talvez nomeasse para a pasta respectiva o ex-actor pornográfico Alexandre Frota. Recorde-se que Frota, apoiante entusiástico de Bolsonaro, afixa o modesto programa de “acabar com os direitos humanos” e com isso logo ganhou direito a um convite para o programa de Manuel Luís Goucha.

Depois, Frota deve ter achado que o programa de Goucha era excessivo como palhaçada e Bolsonaro deve ter achado que Frota, como palhaço, era excessivo para o Ministério. O resultado é que Frota nem foi ao programa nem foi para o Ministério: no mesmo dia em que Bolsonaro anunciava a liberalização da posse de armas — até quatro para cada pessoa —, anunciava também que a cultura deixava de ter Ministério e que toda a pornografia fascista teria de ser promovida ao nível de Secretaria de Estado.

O ministro nazi da Propaganda, Joseph Goebbels, dizia lapidarmente que, ao ouvir a palavra “cultura”, puxava da pistola. Bolsonaro, Damares, Frota e companhia poderão, ao abrigo da nova lei, puxar de quatro pistolas cada um — ou cada uma, porque ela é menina, mesmo quando veste de azul e manda despedir quem lhe faça notar o erro de guarda-roupa. Resta saber se, ao subirem a parada das citações de Goebbels, não estarão a ter mais olhos que barriga e não irão estampar-se com o seu arraial de fanfarronadas.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 23/1/2019, 14:28

QUE FAZER À GRANDE MAIORIA SUBDESENVOLVIDA DO PLANETA?
“Sorria…vai haver Carnaval de verdade”
Zeca Pagodinho - “Do jeito que o Rei Mandou”
As nossas Sociedades capitalistas, parecem hoje ter chegado a uma situação como a que foi descrita naquele célebre pensamento de Lenine: “…os de baixo já não querem e os de cima já não podem."
Efectivamente, tudo parece indicar que o sistema “produtivista” do Capitalismo - já ameaçado de grave crise endémica - esgotou suas energias vitais. E bastou agora uma grande Nação - como a China - rejeitar a condição de país “atrasado” e iniciar uma imparável “Revolução Industrial” - coisa “inofensiva” e “humanamente desejável” - para que uma terrível “falta de ar” atacasse os “brônquios” do Capital e o levasse aos “cuidados intensivos”. Imagine-se agora - por exemplo - a América Latina (ou a África, ou as duas…) reivindicarem-se do mesmo estatuto da China? Valha-nos Nª Senhora dos Aflitos!…
1 - Foi recentemente editado pela “Antígona - editores refractários”, uma crítica de Karl Marx de 1845, ao livro do economista alemão Friedrich List (1789-1846) “Sistema nacional da economia política” (já entre nós editado pela Gulbenkian em 2006 com prefácio de Eduardo de Sousa Ferreira).
Que eu saiba - e não é muito - o livro de List quase passou despercebido no meio do lixo “económico” que povoa as “bancas” das nossas livrarias e, apesar da sua importância - Marx e List eram os “economistas alemães mais lidos do seu tempo” - não despertou qualquer, mesmo pequeno, debate: a “globalização” trazida pela “Europa connosco” tornou-se hegemónica e tudo obscurece. E isto apesar da extrema importância “teórica” do movimento da “Economia da Dependência” Latino-Americana, “incluir” contributos importantes de F. List: o “alemão” André Gunder Frank parece retirar dele muito do seu pensamento assim como as tiram as Teorias da “Troca desigual” e da “Dependência dos Subdesenvolvidos ao pequeno grupo Imperialista”.
2 - Em minha fraca opinião, o Prefácio de José Neves esforça-se - e bem - por pôr em “igualdade de circunstâncias” as análises de Marx: entre Proteccionismo e Livre-cambismo, “venha o Diabo e escolha”,(1) coisa que a Antígona parece não o fazer - ou seria distracção do gráfico da Alfaiataria?… - ao colocar “na capa” apenas “Crítica do Nacionalismo económico”, deixando - à maneira do “globalizador” imperialista - o Livre-cambismo no “tinteiro”.
É certo que o “Discurso sobre o livre câmbio” - que faz parte do livro da Antígona - proferido por Marx na Sociedade Democrática de Bruxelas, só surge “mais à frente” no ano “quente” de 1848, 3 anos depois da sua “Crítica a F. List”. De qualquer maneira e “à distância”, julgo que teria sido de “bom-tom” fazer, na capa, a menção ao “contra o livre-cambismo”.
3 - Mas é de louvar a boa iniciativa da Antígona e deseja-se a sua continuação para ajudar a “mover” as nossas cabeças “enferrujadas”.
(1) - A obra “económica” de Marx - sabemos - é uma obra científica e não uma série de textos “evangélicos” revelados sabe-se lá por quem. Algumas das suas “posições de combate”, históricas, vão-se modificando no tempo mas, naturalmente, seu núcleo de princípios permanece: Marx não era um intelectual “badalhoco” como os há, por aí, aos pontapés. Já o filósofo inglês B. Russell, na sua interessante “História da Filosofia Ocidental”, referia de Marx que “o que ele pretendia era ser científico”. Por isso julgo que, face à “dialéctica” Proteccionismo/Livre-cambismo, era importante apreciá-la "em paralelo" com a “experiência revolucionária” de Lenine e as possíveis “razões” que o levaram a escrever o texto “O direito das Nações a disporem de si próprias”.


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