Eleições nos EUA: o colapso do centro político

António Louçã — 12 Novembro 2018

Sem entrar na análise dos resultados das intercalares norte-americanas, podemos resumi-los nesta conclusão fundamental — o centro político está em crise ou, mais do que isso, a sofrer um verdadeiro colapso. Quem esperava que o velho conservadorismo republicano controlasse a fúria iconoclástica do presidente, pôde agora desenganar-se. Trump, por uma vez, falou verdade quando disse que perderam eleições os republicanos mais reticentes sobre a sua administração e que as ganharam os mais seguidistas em relação a ele.

A maioria que Trump reforçou no Senado, não é apenas um pouco mais confortável nos números, é sobretudo muito mais confortável pelo tipo de eleitos. Os que entraram na câmara alta do Congresso sabem que o seu eleitorado votou mais em Trump do que neles próprios. A eleição era um plebiscito à presidência e os eleitos republicanos são-no pela graça de Trump.

Quando Trump propuser ao Senado mais alguma daquelas nomeações que agora se prepara para fazer em catadupa, não passará pelas mesmas angústias que, até ao último instante, acompanharam a aprovação do violador Brett Kavanaugh. Todo o rebanho republicano estará muito mais ensaiado para obedecer sem pestanejar.

Por outro lado, a maioria democrata recuperada na Câmara dos Representantes, continuando embora a ser uma falange de agentes do imperialismo de quem nada há a esperar, tingiu-se de cores imprevistas e de personalidades inesperadas. Mais do que nunca, invadiram-na a uma escala surpreendente mulheres, jovens, negras, muçulmanas, índias, socialistas.

Algumas têm um historial de atitudes políticas que promete abalar o famoso consenso bipartidário em temas tão cruciais como o apoio ao Estado sionista – algo que não é de somenos no momento de uma escalada de provocações ianque-israelitas contra o Irão.

A vitória de candidaturas provenientes de minorias étnicas não foi, desta vez, um mero fenómeno de ghetto nem a obra de um nicho activista. A disseminação deste fenómeno em grande parte do país desmente categoricamente que pudesse sê-lo. As candidaturas “étnicas” apresentaram-se com propostas como a Medicare para toda a gente e, mesmo de forma balbuciante e confusa, com um horizonte declaradamente socialista.

As suas diversas vitórias eleitorais confirmam o que se notara na eleição presidencial: Bernie Sanders, com o seu discurso socialista, era mais popular do que Hillary Clinton e tinha mais condições do que ela para derrotar Donald Trump. Provavelmente, não tardará a confirmar-se o outro lado desta experiência: dentro da Câmara dos Representantes, os e as eleitas socialistas serão inevitavelmente triturados pelo aparelho do partido e do Congresso, como Sanders se deixou triturar pela fraude clintoniana na Convenção.

O único terreno em que uma corrente socialista pode lançar raízes é o das lutas sociais, que podem muito bem vir aí a caminho, com o fim da conjuntura económica que tem favorecido até agora a presidência de Trump. Perante essas lutas sociais, de nada irão valer falcatruas da “democracia” ianque, como as da Convenção democrata, ou o “gerrymandering” (*), que permitiu aos Republicanos, com menos 12 milhões de votos que os Democratas, reforçarem a sua maioria no Senado.

(*) Manipulação das fronteiras dos círculos eleitorais para favorecer um dado partido. Do nome do governador do Massachusetts Eldridge Gerry, que o fez quando estava no cargo em 1812.


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