Uma imagem da Justiça

Pedro Goulart — 19 Novembro 2017

nao-se-cale1Sabemos que a justiça que se pratica num país capitalista é uma justiça de classe. Mas as decisões dos tribunais muitas vezes aparecem embrulhadas num discurso moralista, usando leis e termos de difícil compreensão. Contudo, no já célebre acórdão do desembargador Neto de Moura, também assinado pela desembargadora Maria Luísa Abrantes (Tribunal da Relação do Porto), chega-se ao ponto de fazer censura moral a uma mulher de Felgueiras, vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de ela ter cometido adultério. Aqui as coisas ficam bem claras.

Recorde-se que a mulher foi sequestrada pelo pelo amante, que a levou à presença do ex-marido, e agredida por ambos com uma moca com pregos. Apesar disto, o tribunal de 1.ª instância atribuiu aos dois agressores uma leve pena suspensa. Após recurso para a Relação, a sentença foi confirmada porque, diz o tal acórdão, “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou (são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras), e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. O juiz Neto de Moura socorre-se da Bíblia, do Código Penal de 1886 e até de civilizações que punem o adultério (da mulher) com pena de morte, para justificar a violência cometida. Apesar de vivermos em sistema capitalista, mas no século XXI, para Neto de Moura parece que vivemos no século XIX: nem sequer houve o 25 de Abril nem um novo ordenamento jurídico.

Após o acórdão ter gerado uma grande onda de indignação e protestos, e só por isso, as tentativas de esconder o caso, de branqueá-lo ou de lavar daí as mãos não resultaram. O Conselho Superior da Magistratura (CSM) que, numa primeira reacção, afirmara que nada poderia fazer relativamente ao juiz da Relação do Porto, anunciou depois ter aberto um inquérito ao dito magistrado. Mas, logo de seguida, a Associação Sindical dos Juízes, pela voz da sua presidente Manuela Paupério, veio manifestar a sua “preocupação” com o inquérito — “tem que haver muita ponderação”, disse, para não se pôr em causa “a independência dos juízes”. Até á data, e já lá vão várias semanas, nada mais se apurou. Será exagero prever que tudo ficará em águas de bacalhau?


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