25 de Novembro, há 40 anos

António Louçã — 26 Novembro 2015

Otelo_NevesSe alguém tivesse dúvidas sobre o que Otelo foi fazer para Belém em 25 de Novembro de 1975, depois de acordar estremunhado e de passar de fugida pelo Copcon, a resposta aí está, neste aniversário redondo, dada pelo próprio: mais ainda do que entregar-se para ficar preso, foi colaborar activamente na contra-revolução.

Num importante depoimento recolhido pelo jornalista António Nabo, Otelo revelou à RTP (veja-se a entrevista aqui) um episódio que ultrapassa a imaginação mais delirante. Estando em Belém, recebeu uma chamada telefónica do então comandante do Forte de Almada, Rosado da Luz. Este pedia-lhe instruções sobre o modo de lidar com uma concentração que descrevia como sendo de uns 10.000 trabalhadores da Lisnave e da Setenave, agarrados aos portões, a pedirem-lhe armas.

Otelo disse-lhe que não desse “nem um canivete”, que não admitisse ninguém a tocar no paiol, e que se lembrasse que estava em prevenção rigorosa. E não teve pejo em detalhar as instruções: os soldados deviam permanecer de armas aperradas; se alguém tentasse subir os portões, “fogachada nele”, primeiro acima da cabeça, para aviso; e, se mesmo assim esse alguém conseguisse passar para o lado de dentro dos portões, “fogo nele, apontado aos joelhos”.

Aí está portanto a receita de Otelo para a vanguarda operária de 1975, que queria armar-se e enfrentar a contra-revolução. Recordemos que esta mesma vanguarda, com tantos desses operários da Lisnave e da Setenave, viria em 1976 a militar na campanha de Otelo com o slogan “um amigo na presidência”. Mas, claro, Otelo na altura não lhes contou que ordem tinha dado a Rosado da Luz.

Conta-a agora, 40 anos depois, quando todo o seu discurso está articulado para demonstrar à direita como andou sempre cheio de boas intenções. A uma pergunta de António Nabo sobre haver ou não algum motivo de arrependimento seu sobre o modo como procedeu no 25 de Novembro, responde afirmativamente.

Iria o ex-comandante do Copcon dar a mão à palmatória de uma crítica velha e revelha, que lhe censurava ter deixado os páraquedistas a ocuparem as bases e ter ido para casa dormir, quando mais se precisava de uma cadeia de comando revolucionária? De modo nenhum. O arrependimento de Otelo é outro.

Diz ele que se arrepende de não ter telefonado a Costa Gomes, na madrugada de 25, a denunciar a iniciativa dos páraquedistas. Se o tivesse feito, o presidente teria posto as unidades de prevenção, de modo a anular o efeito de surpresa e a impedir a bem sucedida operação dos “páras”. Se Otelo não tivesse ido dormir, não era para se juntar à revolução, e sim para fazer uma activa madrugada contra-revolucionária, como denunciante dos páras.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 26/11/2015, 14:10

Este artigo de António Louçã recorda um facto importante dos acontecimentos pós 25 de Abril/74 mas como se depreende do artigo é muito insuficiente para se fazer compreender a função dita revolucionária de Otelo. Como sabemos a chamada vanguarda operária em Portugal desde a sua origem sofreu o síndroma do espontaneísmo oportunista de classe que numa altura de crise acentuada do capitalismo esteve sempre pronta a tomar de "assalto a conquista dos céus", e isto a qualquer preço. Não surpreende por isso as diversas tácticas "científicas" do célebre Otelo candidato presidencial operário, para o atraiçoar nos momentos cruciais. Chamar Otelo às responsabilidades não passa de um exercício analítico que no fundo branqueia os verdadeiros responsáveis, alguns deles com vários anos de luta anti-fascista e outros que apareceram de um dia para o outro com discursos inflamados e se ergueram enquanto revolucionários incontestáveis. Muito há acrescentar a este vale de lágrimas que agora pretendem verter sobre leite derramado mas talvez não valha a pena fazer esse pequeno exercício. Tudo isto foi produto de um equívoco imbecilizado pelas vicissitudes desta pobre sociedade que remete para um país demasiadamente atrasado.


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