Não votes nos partidos de quem te explora!

Manuel Raposo — 3 Outubro 2015

BastaCom o pretexto da informação em cima da hora, as sondagens diárias sobre as eleições do próximo dia 4 tornaram-se não um modo de avaliar tendências de voto mas uma forma de canalizar o voto — explorando a ideia de que uma dinâmica de vitória gera um vencedor. Nesta manobra propagandística, em que as sondagens fazem parte da campanha, foi a direita coligada que ganhou a parada.

Estamos, se ainda fosse preciso prová-lo, nos antípodas do apregoado voto “livre”, centrado numa “escolha política”, de acordo com o que seria “melhor para cada cidadão” ou “para o país”. A ideia mestra é simples: “Tens de escolher, gostes ou não”. Para a reforçar, são inclusive omitidas as percentagens previstas dos abstencionistas, marginalmente citados como “indecisos” e pragmaticamente rateados pelos partidos concorrentes — inflacionando, claro, os do poder.

O poder impõe-se, assim, restringindo as condições de liberdade, condicionando e esmagando o eleitor — reduzido a ter de escolher apenas entre dois campos “úteis”: o do actual governo ou o do anterior governo. É este o sentido das palavras talvez mais usadas nos últimos dias: “estabilidade” e “governabilidade”

Seja qual for o vencedor (Coligação ou PS), a “escolha” do eleitorado terá ficado, deste modo, confinada à opção entre a austeridade do PSD-CDS, vista e revista nos últimos quatro anos, com todo o seu arsenal de argumentos sujos, como o de que “não podemos viver acima das nossas posses”; e a austeridade do PS, que agora promete “resistir” aos barões de Bruxelas e às troikas, mas, é bom lembrar, foi o iniciador da política de austeridade (com os PEC), abrindo caminho, como um batedor, aos desmandos da parelha PSD-CDS.

Tomando como boas as sondagens, dir-se-á que 62% do eleitorado não quer repetir a experiência Passos-Portas. Por que razão está então a oposição ao governo em risco de ser derrotada pelos 38% da Coligação?
À esquerda do PS brada-se contra a falta de união “da esquerda”, PS incluído. Mas é bom notar que a maior fatia dessa “esquerda”, correspondente a grande parte dos 32% atribuídos ao PS pelas sondagens, não são votos de esquerda (nem mesmo no sentido restrito de esquerda do regime) — são votos de quem quer mudar de governo por ter sofrido com a política do PSD-CDS, mas não está disposto a apoiar uma viragem política. É isto que coloca o PS e os que nele votam no campo da direita. Uma eventual “união da esquerda” nestas condições só poderia ser uma união feita no terreno da direita.

A ideia de que o pior da crise já passou, e que agora se abre a possibilidade de uma melhoria paulatina das condições económicas, colou em boa parte do eleitorado. Não só entre os 38% dados à coligação como em boa parte dos 32% do PS. Essa ideia é a tecla sempre martelada pela campanha de Passos e Portas; mas também António Costa a vendeu, meses atrás, quando elogiou o papel dos investimentos chineses em Portugal.
Esse eleitorado teme mais uma mudança política que abale o castelo-de-cartas das “melhorias” em que quer acreditar, do que a continuação da via de castigo do trabalho (na esperança quiçá de que tal castigo seja mais brando). É do somatório destas ilusões que resultam os 70% atribuídos aos partidos do poder.

As “melhorias”, contudo, não vão ter lugar. O capitalismo estagna no plano mundial. As perspectivas de crescimento económico europeu são sombrias. Países dependentes como Portugal — sem qualquer hipótese de crescimento autónomo, amarrado a um bloco imperialista que se afunda — sofrem de forma agravada esse declínio.

Derrotar a direita que está no governo há 4 anos seria um primeiro passo para a alteração de rumo que faz falta. Mas, além disso, importa dizer que, para fazer frente ao que aí vem depois do dia 4, é preciso reunir forças muito mais poderosas e, sobretudo, empenhadas numa luta política que traga para primeiro plano os interesses de classe dos trabalhadores. É isso que falta na política portuguesa. E é por isso que, mesmo criticando e atacando o PS, a esquerda que se posiciona nas baias do regime fica dele dependente e se mostra incapaz de contribuir para uma alteração de fundo da situação portuguesa.
Sem uma mudança na relação das forças sociais que se afrontam no país, sem uma aberta afirmação de luta do trabalho contra o capital, o quadro político em que tudo se move continuará a ser definido pelas opções gémeas PSD-CDS e PS.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 4/10/2015, 10:04

O povo português desprezando a política do PSD/CDS, infelizmente não encontrou na campanha eleitoral uma proposta política concreta para ter oportunidade de reflectir sobre o seu acto enquanto eleitor. Julgo que esta prática política da esquerda feita na base de clichés já gastos transformaram a sua mensagem num palavreado oco que só os fidelizados às organizações de esquerda acreditam que a fé de um crente não precisa de conteúdo concreto para acreditar e ter esperança. Foi uma campanha pobre e sem propostas concretas que mais uma vez apenas servirá para garantir mais dois ou três deputados sem qualquer expressão nas decisões parlamentares. Parece-me portanto natural que para derrubar o «actual» governo a única alternativa possível seria o voto útil e não o voto necessário.

leonel clérigo 7/10/2015, 14:49

Este meu comentário em relação ao texto de MR é, como se costuma dizer, “sopa depois do jantar”: as eleições já tiveram lugar e o seu resultado parece agora ter caído sobre as cabeças dos portugueses de "esquerda", como de um "centro de um furacão" se tratasse. Suponho que o MV vai agora escalpelizar os resultados e proceder a uma análise deste “curioso” fenómeno eleitoral que parece ter começado a dar "pano para mangas". E vou fazer uma sugestão: que MV não demore tanto tempo a tornar público qualquer “comentário” já que isso parece conduzir a um debate pouco “vivo” e soluçante.


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