As reeleições de Dilma Roussef e Evo Morales

Manuel Raposo — 5 Novembro 2014

ManifestaçõesBrasilNas eleições para a presidência do Brasil, a comunicação social portuguesa e a generalidade dos comentadores não escondeu a sua preferência pelos candidatos da oposição. Durante toda a campanha da segunda volta, qualquer vantagem aparente de Aécio Neves (com o qual estiveram os grandes interesses do capital brasileiro e imperialista) era projectada como um sinal de vitória do candidato do PSDB contra a candidata do PT. A polémica sobre a corrupção no Estado e no poder foi igualmente usada como arma para denegrir Dilma e santificar Aécio. Nos meios imperialistas, pontificou a revista britânica The Economist que, uma semana antes da votação, preconizava “uma mudança” para o Brasil e apontava Aécio Neves como o homem capaz de atingir esse objectivo. Enganaram-se.

Apesar da margem escassa, a reeleição de Dilma Roussef ainda traz consigo uma marca social importante: Dilma captou o apoio dos mais pobres (e também das mulheres) e Aécio das classes médias e altas. Este crédito das classes populares à candidata do PT deve-se sem dúvida aos programas de intervenção social que tiraram muita gente da pobreza, sobretudo da pobreza extrema.

Praticamente silenciada foi a terceira vitória consecutiva de Evo Morales na Bolívia, em 12 de Outubro, com mais de 60% dos votos, contra 25% do seu opositor, o empresário dos cimentos Samuel Medina. Também Morales ganhou pela sua política social e pela oposição ao imperialismo EUA. Desde a sua primeira eleição, em 2006, a política de Morales reduziu a pobreza de 33% para 20%, e investiu fortemente na educação, nas vias de comunicação e nos transportes, conseguindo taxas de crescimento económico do país da ordem dos 5% ao ano.

Num e noutro caso, as políticas sociais e o investimento em obras públicas, foram financiados com o rendimento dos recursos naturais estatizados, sobretudo o petróleo e o gás. Este controlo estatal tem motivado a fúria do capital privado e do imperialismo que não poupam esforços para remover do poder estas presidências indesejáveis. Foi esse o papel desempenhado por Aécio no Brasil e Medina na Bolívia.

A aposta popular em Dilma e Morales, significando um apoio às políticas sociais seguidas, depende da sua continuidade e do seu reforço. A questão que se irá pôr, sobretudo a Dilma, é a de saber como vai prosseguir tal política em face da quebra económica de que o Brasil já sofre.

O papel decisivo nos anos que se seguem caberá, seguramente, à capacidade que os movimentos das classes populares tiverem não só de defender os ganhos adquiridos, mas também de impor novas medidas de cariz popular, progressista e anti-imperialista.


Comentários dos leitores

jml 5/11/2014, 12:17

Primeiras medidas do segundo Governo de Dilma
Poucos dias após a reeleição de Dilma Roussef, já temos mostras de que as políticas de privatização e ataque aos direitos dos trabalhadores, adotadas ao longo dos últimos três governos do PT, continuarão em sua agenda. No último dia 30 de outubro foram assinados os contratos que entregam os Hospitais Universitários da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), empresa pública de direito privado, criada no apagar das luzes do segundo governo Lula para gerenciar os Hospitais Universitários brasileiros. A criação desta empresa teve como justificativa a necessidade de regularização da situação dos inúmeros empregados terceirizados em atividade nos hospitais universitários, carentes de novos funcionários pelos anos em que não se realizaram concursos públicos para o provimento de novos trabalhadores para estes serviços.
Na verdade, o que se encontra escondido é a entrega da maior rede pública de serviços de saúde de alta complexidade aos interesses do capital. São 46 os Hospitais Universitários que ofertam serviços à população, muitas vezes sendo os únicos em que alguns exames e tratamento são disponibilizados a ela. Contrariando a lógica de que saúde é um bem acessível a todos, mediante a utilização dos recursos necessários para sua promoção e restabelecimento, sem nenhuma imposição externa que cerceie o usufruto deste direito, o que vai imperar nesta nova "modalidade de gestão" é a lógica do mercado, em que os lucros ou a saúde financeira da empresa vem antes das necessidades das pessoas.
Esta é uma forma perversa de privatização, contribuindo ainda mais para o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) mas trazendo, também, consequências para a educação: com a EBSERH as universidades perderão sua autonomia em gerenciar os hospitais universitários e fazer com que suas políticas de formação de recursos humanos, produção de conhecimento e prestação de serviços atendam as necessidades que julguem necessárias, atrelando o ensino, a pesquisa e a extensão à lógica do mercado - fornecer novos profissionais de acordo com as demandas do capital; fazer pesquisa que atendam os interesses dos grandes grupos econômicos e prestar serviços mediantes convênios e contratualizações, inclusive com a iniciativa privada. As universidades não poderão, nem mesmo, indicar ou eleger as pessoas que ocuparão os cargos de direção dos hospitais universitários como é feito hoje: cabe à EBSERH a indicação desses nomes.
Aos trabalhadores, a proposta é a contratação por CLT, abandonando de vez os concursos públicos que garantem o acesso ao Regime Jurídico Único, próprio dos servidores públicos federais e que prevê, entre outras coisas, a estabilidade de emprego, condição fundamental e necessária para o desempenho de atividades que tem como objetivo único a prestação de serviços, sem a interferência de qualquer ordem que não seja a plena atenção às necessidades do paciente de maneira integral e ao longo do tempo.
À sociedade, a adesão à EBSERH significa ir contra a um dos princípios mais caros ao SUS: o controle social. Os hospitais sob a gestão da EBSERH excluem qualquer possibilidade de participação popular em sua gestão, o que deixa margens para o desvio de recursos e funções dos hospitais universitários.
Contrariando as expectativas daqueles que esperavam um realinhamento do futuro governo à esquerda, segue-se a política de privatização. E, ao que parece, a EBSERH se apresenta como um experimento, um laboratório, onde se ensaia a privatização de outros setores do Estado, consolidando a capitulação do Partido dos Trabalhadores à lógica neoliberal.
Este texto foi produzido pelo PCB e encontra-se na sua página oficial no facebook

António Alvão 5/11/2014, 23:23

"A humanidade só pode atingir o socialismo através da ditadura do proletariado; o revisionismo é uma corrupção burguesa" - Lenine.
Abdicando da tese da violência para a transição do capitalismo para o socialismo, (a que vulgarmente se chama revisionismo) - o que dizer de quem era muito radical "revolucionariamente" na oposição, em termos M/L, e chegam ao poder em vez de fazerem a transição para o socialismo, ficam no sistema capitalista, de braço dado com o imperialismo. Esta corrupção ideológica, em vez de uma critica construtiva leva elogios de outras esquerdas, talvez por afinidade ideológica(?).
"O poder e o dinheiro corrompem" - "quem perde a vergonha, já não tem mais nada para perder" - "A política é mesmo a arte de mentir" (...). Abraço.


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