Masoquismo, compromissos políticos e empobrecimento

Pedro Goulart — 18 Março 2014

navio-afundandoPassos Coelho, que falava numa conferência sobre o pós-troika, irritado por o Manifesto dos 70 vir pôr em causa a única saída (a sua!) para a presente crise do capitalismo português e, ainda, por ter surgido num momento com eleições à vista, foi contundente na forma como se referiu às personalidades de diversos quadrantes políticos que subscreveram o Manifesto pela Reestruturação da Dívida. Passos Coelho acusou os subscritores de serem “os mesmos que falavam na espiral recessiva” e afirmou espantar-se que “pessoas tão bem informadas” levantassem tais questões. E o primeiro-ministro citou, a propósito, o Presidente da República, apoiando a ideia por este então expressa de que falar em reestruturação da dívida era um acto de “masoquismo”.

Masoquismo e empobrecimento

De facto, em Outubro de 2013, durante uma visita à Suécia (e apesar de já antes ter afirmado que no estrangeiro não se pronunciava sobre política interna portuguesa), Cavaco Silva interrogava-se agora publicamente sobre a razão por que analistas e políticos diziam que a dívida portuguesa não era sustentável (enquanto os credores, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional diziam o contrário) considerando, assim, que a atitude de tais críticos era “masoquismo”.

Apesar das propostas, moderadas, que se situam no quadro do regime democrático-burguês vigente, os autores do Manifesto foram insultados por diversa gente, acusados de diversas coisas, inclusive de anti-patriotismo e de terem agendas políticas próprias. Nos ataques dirigidos contra os autores do Manifesto, para além de algumas figuras sinistras, como Eduardo Catroga, destacaram-se especialmente vários papagaios amestrados, particularmente da área do jornalismo económico. E dois dos subscritores do Manifesto foram prontamente afastados de assessores do PR, mostrando bem o carácter do actual presidente da República. Assim, fica bem em evidência como, mesmo entre gente da mesma classe (burguesa), quem se afastar da política de espoliação e de empobrecimento traçada pelo governo de Passos Coelho (e, no essencial, apoiada por Cavaco Silva) é considerado persona non grata.

Depois dos brutais ataques que têm sido desferidos ao longo dos últimos anos pelo governo de Passos Coelho (com a cobertura política de Cavaco Silva) contra os trabalhadores e maioria do povo português, esmagando salários, pensões, prestações de saúde, educação e segurança social, depois de tudo isso, dizíamos, que Cavaco e Passos Coelho venham falar de masoquismo, só faz sentido se se estiverem a referir às vítimas dos seus ataques que ainda os continuam a apoiar. Batem-lhes e eles gostam!

Compromissos políticos

Na linha da defesa dos interesses das classes dominantes e da política do governo (aliado da troika), têm sido desenvolvidas campanhas procurando encurralar o PS, de forma a garantir um apoio mais alargado à política do governo PSD/CDS. E o actual presidente da República tem-se empenhado aqui particularmente, revelando-se como um dos mais encarniçados defensores de um compromisso envolvendo os três partidos do chamado arco da governação — PSD, CDS e PS.

Pesem algumas das fantasias numéricas de Cavaco Silva expressas em Roteiros VIII (por exemplo: “Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB. Em 2014, prevê-se que o excedente primário atinja 0,3 por cento do PIB”), o actual presidente da República considera que teremos de viver numa rigorosa austeridade durante mais uns vinte (ou trinta) anos e é para esta austeridade (mais coisa menos coisa, a de Passos Coelho) que pretende um compromisso de médio prazo entre as forças políticas comprometidas com o actual programa de assistência financeira, arrastando para aqui, insistentemente, o PS. Aliás, em sintonia com o patronato e com o recente apelo de Passos Coelho onde exorta o PS para que se sente à mesa das negociações e aceite estabelecer um acordo alargado para o pós-troika.

Claro que, pela sua natureza, mais tarde ou mais cedo o PS, arrastado pelo patronato, lá irá. Contudo, os cálculos eleitorais irão pesar bastante na determinação do momento exacto para o acerto de passo entre o PS e os restantes partidos defensores dos interesses do patronato.

Mas nenhuma destas “alternativas” é a dos trabalhadores. A “reestruturação honrada e responsável da dívida”, defendida pelo Manifesto dos 70 não é, certamente, a nossa opção. Os trabalhadores não têm que pagar dívidas que não são as suas, eles não têm que pagar a crise do capitalismo.


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