“Se os nossos filhos passarem fome…”

Urbano de Campos — 6 Julho 2012

Mais de 200 mineiros de vários pontos do norte de Espanha caminham desde dia 22 de Junho em direcção a Madrid, onde contam chegar no dia 11, numa Marcha Negra em que reclamam a reposição dos apoios estatais à exploração de carvão. Os cerca de 8 mil mineiros espanhóis (das Astúrias e Leão, mas também de Castela e de Aragão) entraram em greve por tempo indeterminado em final de Maio, quando o governo de Rajoy anunciou um corte drástico nos subsídios que ameaça pura e simplesmente fazer encerrar as minas de carvão. A determinação dos mineiros asturianos ficou bem patente nos confrontos com a polícia. E o seu sentido de classe ficou também bem expresso nas sucessivas manifestações já realizadas. Numa delas, uma faixa dizia: “Se os nossos filhos passarem fome, os vossos verterão sangue”.

A greve, que dura há mais de um mês, já é uma das maiores da história das Astúrias. Para além de sofrerem as medidas de austeridade aplicadas a todos os trabalhadores espanhóis, os mineiros sentem os postos de trabalho ameaçados pela redução dos apoios governamentais, já cortados em mais de 60%. Reclamam por isso a reposição desses apoios, respondendo assim à ameaça do primeiro-ministo que declarou estar na disposição de “prosseguir nesta linha (de austeridade) enquanto for necessário”.

A experiência dos mineiros leva-os a desconfiar das conversas de patrões e governos acerca da “reconversão” do sector. Na verdade, como dizem os sindicatos, trata-se de uma tentativa de encerramento das minas. Dos 70 mil mineiros que existiam na década de 1970, restam 7 a 8 mil distribuídos por 40 minas. A “reconversão” e a “modernização” foram sempre os pretextos para encerramentos, privatizações e despedimentos, sem que a restante actividade industrial absorvesse a mão de obra mandada para o desemprego.

Conhecendo bem tudo isto, a luta desencadeada em Maio não se ficou apenas pela paralisação. Vários trabalhadores encerraram-se nas minas em protesto. Através de cortes de estradas e de linhas de caminho de ferro os mineiros chamaram a atenção de toda a Espanha e do mundo para a sua situação. Não se deixaram intimidar pela polícia de choque que foi enviada para os silenciar e abafar os protestos. Com escudos metálicos, foguetes artesanais, fisgas e toda a espécie de projécteis defenderam-se e contra-atacaram acabando por colocar a polícia em respeito – de tal modo que as autoridades preferiram, a dado ponto, evitar os confrontos.
Um velho dirigente sindical, num vídeo entretanto retirado do ar, dirigiu-se cara-a-cara a um polícia de choque dizendo-lhe: “Se tivermos de dar-vos batalha, vamos dar-vos batalha. Estou há 60 anos na primeira linha deste ofício e não admito repressão, nem na ditadura nem na democracia”.

Tanto nas Astúrias como noutras regiões é amplo e significativo o apoio por parte das populações, que se juntam aos mineiros nas manifestações e os recebem com incentivos à luta nas localidades por onde passa a marcha. Vários vídeos disponíveis na internet ilustram este facto. O apoio internacional tem sido também notório: mineiros ingleses, polacos, alemães e chilenos estiveram nos locais de greve a prestar solidariedade aos seus companheiros espanhóis.

A exemplo disto, seria de grande significado se os sindicalistas, e particularmente os mineiros, portugueses tivessem o mesmo gesto de camaradagem para com os seus companheiros de Espanha. As saudações enviadas pela Fiequimetal e pelo Movimento Democrático de Mulheres são de assinalar, mas são um gesto mínimo, se levarmos em conta que o protesto se trava mesmo aqui ao lado e se considerarmos as condições duras em que decorre. É que a luta é comum, deste e do outro lado da fronteira, e todos os gestos de solidariedade efectiva traduzem-se num reforço da capacidade de resistência dos trabalhadores.


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