Sobre que plataformas se combate na Grécia?

José Borralho — 30 Maio 2012

A propósito da catadupa de manifestos lançados nos últimos dias em apoio de uma solução governamental patrocinada pela Syriza – movimento mais ou menos radical que passou de 4,5% de votos obtidos em 2009, para 16,78% dos votos nas últimas eleições gregas – uns inócuos, outros alimentando claramente a esperança de que seja possível uma grande viragem nos rumos da Grécia com repercussões inevitáveis no resto da Europa, ocorre colocar algumas questões.

Um processo de luta que deixou marcas

A derrota das forças políticas pró-troika na Grécia, foi um acontecimento de uma enorme importância para os trabalhadores e o povo gregos, cuja luta de resistência se manifestou desde o primeiro dia da tentativa de imposição dos planos e medidas de austeridade. Resistência, que assumiu formas de acção e intervenção como em mais nenhum país Europeu. Dezenas de greves gerais, ocupação de ministérios e outros edifícios públicos, de empresas, bancos. Manifestações de massas com largos milhares, confrontos com as forças repressivas… Envolvimento de sindicatos, de outras organizações profissionais, da juventude e de sectores operários foi uma constante na luta da maioria do povo e dos trabalhadores gregos ao longo destes últimos anos de opressão e de tirania da trempe EU/FMI/BCE, com o apoio dos partidos da direita e dos “socialistas”.

Toda esta luta gigantesca, que colocou os trabalhadores gregos como os porta estandartes da revolução, tinha de deixar as suas marcas na consciência dos que nela participaram, ampliando sectores mais radicalizados em particular a classe operária, a quem deu maiores motivos anti-capitalistas, ampliando e radicalizando – moderadamente – as classes médias, que se desprenderam do chamado Partido Socialista (Pasok) que, em conjunto com a direita conservadora Nova Democracia, assumiu a imposição da austeridade capitalista imperialista sobre o povo grego. Parece plausível aceitar como lógica a deslocação dos votantes do Pasok para a sua esquerda, engrossando a votação do partido mais próximo sem contudo aparecer clara uma atitude de ruptura com o sistema. A opção de voto, foi recair sobre a força mais realista à esquerda: claramente, o partido, frente, Syriza.

A posição do Partido Comunista Grego

A radicalização da luta de classes em curso na Grécia, terá inevitavelmente de ter expressão nos programas dos partidos políticos. Isso acontece de forma muito clara e inequívoca nas posições políticas e programáticas do KKE [Partido Comunista Grego] que não deixa margem para dúvidas. Diz o KKE:

“O KKE nota que a saída em favor do povo não está na administração da crise com ferramentas expansivas ou restritivas pelo pessoal político do capital nos organismos da UE. Ela está na organização da luta a um nível nacional, por um diferente caminho de desenvolvimento o qual desenvolverá todo o potencial de produção do país em favor do povo baseado no poder do povo, o desligamento da UE e a socialização dos meios de produção.”

Parece ficar claro, perante esta posição política, que a solução dos problemas actuais e futuros do povo grego, para o KKE, passará inevitavelmente por uma ruptura revolucionária que socialize os meios de produção e instaure o poder popular.
A influência do KKE nas lutas do movimento popular e no contributo para a sua firmeza e radicalização parece não oferecer dúvidas. Contudo, coloca-se a seguinte questão: terá chegado o momento na Grécia, em que um movimento revolucionário de amplas massas, envolvendo a maioria, está maduro e disposto a dizer não a qualquer tipo de compromissos, e preparado política, ideológica e organizativamente para assumir os custos do assalto ao poder burguês? Estão maduras as condições para uma revolução popular na Grécia?

O KKE parece combater na base de uma plataforma de ideias e de propostas políticas claramente no campo da ruptura com o sistema capitalista pelo poder popular. Esta atitude do KKE, que enfrenta na Grécia os mesmos problemas com que nos debatemos em Portugal, é de tal forma avançada e convicta que deixa a anos-luz as tímidas políticas da Democracia Avançada para o Século XXI, defendidas pelo partido com que em Portugal tem relações, o PCP. Ali não há lugar para as políticas desenvolvimentistas como a de pôr Portugal a produzir com um aparelho produtivo renovado.

As recentes eleições revelaram um movimento popular a virar à esquerda mas a deixar claro que as propostas de ruptura com a sociedade capitalista são aceites apenas ainda por uma minoria das massas, o que não significa serem desprezíveis os 8,5% obtidos pelo KKE. Não se deveria extrair daqui a ideia de que ainda há passos a dar na luta imediata que ampliem a frente contra a troika, contra a austeridade, pela defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo gregos? Que impeçam o isolamento da “vanguarda” e tragam para a luta maiores sectores ainda iludidos com o reformismo?

O KKE que tem uma longa história de luta, mas tem também uma longa história de ligação ao revisionismo e ao capitalismo de Estado que defendeu até ao colapso da ex-URSS. Um exame mais aturado do seu passado, talvez ajudasse a cortar amarras com a soberba com que encara todos os outros movimentos, e que certamente estão relacionados com esse passado.

Uma nova página da luta na Europa

A Syriza, agrupamento de pequenos partidos, viu a sua votação disparar em flecha de 4,5% em 2009 para 16,78 em 2012. É sem dúvida um enorme crescimento eleitoral que tem a sua proveniência nas enormes perdas eleitorais do PASOK, constituindo, portanto, uma deslocação de um eleitorado moderado, radicalizado com as traições dos socialistas, mas optando inequivocamente por um programa que não obedeça a opções radicais de saída do euro ou de um claro não ao pagamento da dívida.

Moderação, parece ser a tónica que transparece das propostas da Syriza. A defesa da formação de um governo que promova o desenvolvimento e combata as injustiças, uma renegociação da dívida que não faça colapsar a economia, a defesa dos direitos do povo combatendo a austeridade da troika, exigências de um papel mais interventivo e compreensivo do BCE.

O optimismo com que os trabalhadores portugueses e muitos intelectuais viram o aumento de votação na Syriza, tem razão de ser na medida em que esta votação castigou os inimigos do povo, os troikistas, e abriu uma porta que pode dar coesão às políticas que por toda a Europa se opõem à austeridade e ao empobrecimento das massas.

Não têm razão, contudo, os eternos eleitoralistas que se alimentam das ilusões de que a marcha do mundo se faz através dos parlamentos burgueses e anseiam em Portugal um processo idêntico ao da Grécia. O BE, que é um expoente desta política está errado; mas essa é a sua esperança e a sua política.

Penso que a questão fundamental que provocou clivagens mais profundas entre as políticas de austeridade e o movimento popular foi a luta enorme que opôs os trabalhadores e o povo gregos à minoria parasita e reaccionária que tem levado à prática as políticas de austeridade. Em Portugal deveríamos fazer o mesmo, antes dos sonhos pequeno-burgueses de governos de esquerda para salvar a economia.

A questão central que poderá criar uma ruptura com a política de austeridade é a perda das ilusões de que cabe aos trabalhadores defender uma economia mais desenvolvida e competitiva, e a elaboração de um programa mínimo de unidade na acção de ruptura com a troika, de recusa da austeridade e do empobrecimento, de elevar a consciência política contra o sistema capitalista causador de todos os dramas que se abatem sobre os trabalhadores e os povos.

Não existe capitalismo bom, nem na Grécia, nem em Portugal, nem em sítio nenhum do mundo, pelo contrário, a crise veio revelar que o capitalismo entrou na sua fase senil, o que significa transportar para a sociedade a sua decadência. Por isso, espalhar qualquer ilusão e alimentar expectativas de que com novas regras, as coisas podem mudar para melhor para os trabalhadores, não passa de uma enorme burla patrocinada pelo reformismo incurável da pequena burguesia. Uma coisa contudo é certa: não se derrotam os inimigos virando-lhes as costas.

Com ou sem governo à esquerda, a Grécia vai abrir nova página da luta na Europa: coube aos trabalhadores gregos serem a cobaia das experiências do capital financeiro, e poderá acontecer virem a ser a primeira de novas experiências de ruptura com o capitalismo, assentes numa plataforma do proletariado pelo socialismo.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 31/5/2012, 10:53

A este artigo muito lúcido sobre a situação grega apenas acrescento que independentemente da ideologia política do Syrza que ainda desconheço, teve, pelo menos, o atrevimento de confrontar sem rodeios o imperialismo alemão e considerar que cabe ao povo grego dirigir a sua gestão política e económica. Este golpe no «medo» dos partidos de esquerda sobre a crise foi, julgo eu, decisiva para a sua meteórica ascenção no espectro partidário grego e um poderoso contributo para a mesma luta em Portugal e em Espanha. O KKE ao não perceber este facto primordial corre o risco de se manter no imobilismo político devido ao seu score eleitoral embora isso não surpreenda dado que o revisionismo que ainda exerce grande influência naquele partido esteja condenado a desaparecer na torrente transformação que a nova sociedade anuncia.

J.M.Luz 4/6/2012, 12:35

Que se exiga um maior aprofundamento da auto-critica ao KKE em relação ao seu historial, para que possa melhorar a sua intervençâo anti-capitalista no presente é correcto. Mas acusa-lo de SOBERBA por este se recusar a alianças e criticar o Syriza pelo seu posicionamento social-democrata em relação à luta do proletariado grego, penso que é incorrecto e contraditório com as posições de denuncia que se toma em Portugal em relação ao P"C"P e ao BE por defenderem as mesmissimas posições que o Syriza defende.


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