António Borges, a face arrogante e cruel da burguesia

Pedro Goulart — 26 Março 2012

Recentemente, o governo PSD/CDS encarregou António Borges de acompanhar o processo das privatizações e das Parcerias Público Privadas. E escusado será referir que Borges está ideologicamente sintonizado com Passos Coelho, Vítor Gaspar, Álvaro Santos Pereira…
Para avaliarmos bem as tarefas que esperam António Borges, assim como o carácter do homem responsável pela supervisão destes processos e os objectivos da classe que representa, é importante conhecer algumas passagens do discurso por ele proferidas, em meados de Março, no encerramento de uma conferência do INSEAD (Instituto Europeu de Administração de Negócios).

António Borges é um professor catedrático que, entre várias outras funções, foi vice-governador do Banco de Portugal e vice-presidente do Goldman Sachs, tendo passado, ainda, pelas Administrações do Citibank, Sonae e Cimpor. Foi, também, director do departamento europeu do FMI. Actualmente, faz parte das Administrações da Fundação Champalimaud e da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, dona do Pingo Doce.
Segundo defendem vários analistas de serviço aos média, que não querem perder os seus salários, a competência de Borges não pode ser posta em causa.
O antigo director do FMI tem fama nas suas qualificações, ficando com o respectivo proveito.

Na conferência do INSEAD, António Borges fez declarações que, pelas responsabilidades do conferencista e pela clareza das afirmações, devem merecer uma atenção especial.
Afirmou que as “crises como a que atravessamos são difíceis” mas “também grandes oportunidades”. E que permitem tirar uma lição: “as crises são momentos de limpeza”. Por aquilo que se conhece das ideias do ex-director do FMI, no que toca às “oportunidades” e à “limpeza”, referia-se, certamente, à necessidade da privatização daquilo que ainda resta das empresas públicas, à destruição do SNS e da Escola Pública, assim como às profundas alterações da legislação laboral e à retirada de direitos e apoios sociais aos mais pobres.

“O programa [de ajustamento orçamental] está a ser executado” e em certa medida “com mais ambição”. “Não tenho grandes dúvidas que estes problemas de estabilidade financeira estarão resolvidos”, com o decorrer do ajustamento das contas do país. E Borges considerou, ainda, que a recuperação da competitividade da economia portuguesa “está em curso”. “Tínhamos colocado no programa uma desvalorização fiscal, a alteração da Taxa Social Única (TSU) (…) e isso o Governo entendeu não fazer por razões que eles lá sabem”, afirmou. Porém, e mesmo sem uma alteração na TSU, “a verdade é que essa mudança de preços relativos está a acontecer”.

Mas uma notável pérola do discurso, não passível de qualquer dúvida de interpretação, vem a seguir, com um António Borges entusiasmado:
“É impressionante a forma como os salários estão a cair, tal e qual como se houvesse uma desvalorização da moeda”. E “isto está a passar-se na economia com um extraordinário consenso e harmonia social”, o que “é uma coisa inconcebível na Grécia e vamos ver se os espanhóis são capazes de fazer o mesmo que nós”.

Algumas das afirmações de Borges situam-se ao nível das declarações de outras “sumidades” da mesma área política, que, aqui há uns tempos, diziam publicamente que as pessoas com mais de 70 anos, se precisassem de hemodiálise, a deviam pagar. As asserções desta gente cheia de dinheiro, arrogante, desapiedada, que diz com clareza aquilo que outros elementos da sua classe não se atrevem a dizer em voz alta, evidenciam como um canalha não passa de um canalha, mesmo com muitos títulos, monetários ou de qualificações profissionais. Mais, e essencial, sabendo que os objectivos da burguesia radicam, fundamentalmente, na procura do lucro e da acumulação de capital, embora ela possa prosseguir esses objectivos com métodos e ritmos diferentes (conforme a fracção de classe hegemónica), afirmações como as de António Borges revelam-se importantes, na medida em que colocam bem à vista uma das várias faces da classe burguesa – a sua face mais arrogante e cruel.


Comentários dos leitores

c a heitor da silva 27/3/2012, 11:52

Isto é importante ser tido em conta quando na rua gritamos: FASCISMO NUNCA MAIS!!!
Porque isto é apenas parte do que pretendem. E não olharão a meios para alcançar os seus fins. Por enquanto utilizam apenas aqueles que denominam democráticos: leia-se Parlamento da Burguesia Unida que, sob a capa da democracia com a conivência dos auto-designados socialistas e muitos outros "istas" que lhes aceitam o jogo a troco de migalhas, os sistemas de segurança que os protegem contra os que protestam, os meios de desinformação ao seu serviço pervertendo o discernimento popular e muitos etcs.
Quando tal não for suficiente, aí lhes cairá a máscara da democracia que usam, mas então já será tarde....

A. Poeiras 28/3/2012, 10:09

É a ladaínha habitual dos filhos de Chicago. Aposto que também falou de eliminar as interferências do estado na economia, no mérito individual, etc. Nunca um discurso foi tão ideológico como com estes gajos.

António alvão 29/3/2012, 0:43

Este sistema politico é capitalismo democrático e não fascista. Quando nós gritávamos na rua fascismo nunca mais, não gritávamos na rua - capitalismo nunca mais.
A esquerda ml parlamentar e fora dele não põem o sistema capitalismo em causa ...
Nós anti-capitalistas(?) porque não lutamos contra este sistema de que falamos tanto mal? Ir votar quando há eleições, ir passear para a avenida pelo 25/A e 1º de maio, chega? Não lutamos porquê? Não nos entendemos? Não gostamos uns dos outros? Uns serão radicais, outros não? Teremos medo?
Se não encontrarmos uma razão, pelo menos, porque não lutamos???__ O capitalismo terá sucesso, em termos futuros, na continuidade do roubo?
Saúde e liberdade. A.A.


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