A ditadura da produtividade

PCOF / MV — 29 Setembro 2009

france-telecom-employees_web.jpgComo referimos numa pequena notícia recente, uma onda de suicídios atingiu os trabalhadores da France Telecom (FT), na sequência de uma “reestruturação” que, desde 1995, enviou para o desemprego 60 mil trabalhadores e deu lucros astronómicos aos accionistas. O texto que agora divulgamos (publicado pelo Partido Comunista dos Operários de França) traz mais alguma luz sobre os factos, relacionando os despedimentos, o estado de stress dos trabalhadores e os suicídios com os métodos de gestão postos em prática por administradores que em nada são inocentes.

De 1995 até hoje, os efectivos da France Telecom passaram de 140 mil para 80 mil. Nestes últimos dois anos foram suprimidos 22 mil empregos, dos quais 2957 só nos últimos seis meses.

Os dividendos distribuídos aos accionistas em 2008 elevaram-se a 4 mil milhões de euros, representando 65 mil empregos e, no primeiro trimestre deste ano, o montante era já de 4,1 mil milhões. Números astronómicos que deliciam os gestores da empresa, da qual o Estado é o primeiro accionista embora não controle mais do que 27%.

“Nós trabalhamos num meio muito concorrencial”, explicam estes altos dirigentes, que desejavam tanto livrar-se destes milhares de funcionários, muito marcados mentalmente pelo sentido de serviço público. A primeira etapa da privatização da France Telecom (FT) traduziu-se pela paragem do recrutamento de funcionários e pela incorporação de trabalhadores e trabalhadoras, de preferência jovens, com contratos de trabalho privados. Eles deviam “empurrar” os “antigos” para fazer da FT um líder mundial, um grupo funcionando como as multinacionais arrasando os “mercados” – especialmente as empresas públicas de telecomunicações da Europa de Leste, África, América latina, etc. que os governos que aderiram ao neoliberalismo privatizaram a toda a força.

Os utentes eram apenas clientes aos quais era preciso vender “produtos de alto valor acrescentado”. A “qualidade de serviço” prestada aos utentes dos meios populares deu lugar a serviços pagos, impessoais, geridos a partir de plataformas onde reina a ditadura da produtividade. Apesar da política divisionista, as lutas desenvolveram-se, unindo trabalhadores com estatuto público e trabalhadores com estatuto privado.

Para obrigar os funcionários a sair da empresa, a direcção adoptou métodos de “gestão” cujo objectivo principal é fazer perder a paciência aos trabalhadores. O turbilhão de reestruturações engrenou, instaurando um clima geral de desestabilização, de stress permanente, em ambiente de troça, de desprezo pelos funcionários.

Supressão de funções e de serviços de um dia para o outro, propostas de “transferências” para locais a centenas de quilómetros da residência sucedem-se para empurrar o máximo de funcionários para a saída. É o que dizem todos os textos deixados por aqueles que acabaram por quebrar.

Movimentos de protesto desenvolveram-se espontaneamente. A cólera não parou de subir, enquanto a Direcção tentava atribuir os suicídios à fragilidade das vítimas e prosseguia o seu plano de reestruturação. A Direcção tenta fugir às suas responsabilidades enviando os funcionários para psicólogos, para gabinetes de observação, etc.

O que os trabalhadores da FT querem não é serem observados: eles exigem que cesse esta política de reestruturação permanente, que cesse a gestão por stress, que cesse a pressão moral para conseguir cada vez mais produtividade.
O seu combate inscreve-se na defesa dos serviços públicos, na recusa das políticas de privatização e da corrida à produtividade ao ritmo dos valores da bolsa. Hoje, esta política é responsável por suicídios, depressões e outros sofrimentos físicos e psíquicos na FT, na Edf (Electricidade de França) e sê-lo-á amanhã nos Correios, cuja privatização está prometida.

(*) No próprio dia em que publicámos este artigo, um outro trabalhador da France Telecom pôs termo à vida atirando-se de um viaduto situado não longe da empresa. Tratava-se de um homem de 51 anos, com dois filhos, que tinha sido transferido para um serviço de call center. Numa carta que deixou, disse que não suportava mais a tensão a que estava sujeito.


Comentários dos leitores

nome 30/9/2009, 12:50

Se cada trabalhador que resolvesse suicidar, poderia muito bem levar com ele um dos responsáveis pela competitividade...Faria um grande serviço à humanidade, já que os trabalhadores vão votar nos partidos dos patifes

manuel vaz 30/9/2009, 14:16

Na passada segunda-feira, 28 de Setembro, com o 24° suicídio, o director geral de France Telecom, Didier Lombard, anunciou o abandono imediato do "principio de mobilidade sistemática dos quadros todos os três anos". A esquerda exige do governo a demissão imediata de Lombard, os sindicatos por seu lado concentram as críticas sobre o n°3 da empresa, Louis-Pierre Wenes, o "cost killer" que arvora como divisa, "ou se submetem ou se demitem" ("soit on se soumet, soit on se démet"). Um outro aspecto da "gestão pelo terror": a sede da empresa em Saint-Denis que acolherá 2 mil assalariados e entrará em função no início do ano próximo, foi concebida para "evitar os suicídios": janelas seladas, terraços inacessíveis, etc... Os sindicatos e as famílias enlutadas lá vão falando de fazer queixa junto aos tribunais... e vai-se ficando por aqui.
O clima político presente permite as investidas mais audazes da burguesia, ao ponto de vir lavar a roupa suja em público com o "caso Clearstream". E debaixo de um fogo de artificio espetacular! Sarkozy e Villepin, os dois rivais e irmãos gémeos bem conhecidos do UPM, partido gaulista no poder, permitem-se vir a tribunal confessar toda a espécie de sacanices que foram fazendo um ao outro nestes últimos anos para assumir a liderança do Estado. O vencedor, Sarkozy, exige agora da justiça, e passando por cima das normas judiciais em vigor, que Villepin o vencido, seja humilhado sob as luzes cintilantes da ribalta... MV


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