Uma ideia peregrina

António Louçã — 8 Maio 2009

transito1.jpgNa apresentação da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, o dirigente bloquista Luís Fazenda apresentou várias ideias, de que a imprensa diária destacou duas: a requisição de casas devolutas e a criação de uma portagem para o acesso ao centro de Lisboa.

A primeira é de saudar, porque a especulação imobiliária tem contribuído para a desertificação do centro da capital, para a degradação de prédios e, por vezes, para derrocadas várias como a que sucedeu em princípio de Maio na esquina da Av. Miguel Bombarda. A autarquia deveria portanto requisitar temporariamente, ou mesmo expropriar de vez em nome da segurança e do interesse públicos, os imóveis abandonados e as casas devolutas.

Acontece que a desertificação do centro também tem tido consequências desestruturantes para o dia-a-dia da classe trabalhadora, obrigando a um fluxo pendular entre a periferia e o centro em que se perdem dezenas de horas por semana e, no cômputo duma vida de trabalho, anos inteiros. A escassez de creches ou locais de estudo para os filhos, a dispersão destes, dos locais de residência e de trabalho e, enfim, o deficit de transportes públicos, têm muitas vezes levado os trabalhadores a optar pelo mal menor de utilizar massivamente o automóvel privado, com custos pesados no orçamento familiar de que o governo e as petrolíferas não são inteiramente inocentes.

E com isto chegamos à segunda proposta – a das portagens para entrar em Lisboa. Luís Fazenda invocou o exemplo de Londres, em que o mayor da esquerda trabalhista Ken Livingstone tinha instituído uma portagem idêntica. E parece que, efectivamente, a inovação contribuiu para descongestionar a city londrina, e não só. Ganharam todos os residentes e transeuntes, em qualidade ambiental. E ganharam aqueles automobilistas a quem não faz diferença pagarem a taxa, porque o trânsito se tornou muito mais fluido.

Também em Lisboa se poderia esperar ganhos ambientais – claro. E também em Lisboa ganhariam os automobilistas privilegiados, que já vivam no centro ou que possam pagar sem sacrifício a tal portagem para virem ao centro. À classe trabalhadora que utiliza o automóvel – e que certamente preferiria poupar o dinheiro da gasolina, se pudesse -, a portagem viria, pelo contrário, dificultar a vida. Não é por estupidez que os trabalhadores se sujeitam a esse gasto, e sim pelas circunstâncias da vida.

É verdade que Luís Fazenda se pronunciou a favor duma “tendencial gratuitidade dos modos ferroviários suburbanos”. Sabemos o que tem dado a ambiguidade contida na maldita palavrinha: o “tendencialmente gratuito” da Constituição só tem servido para a Educação e a Saúde públicas serem, tendencialmente, cada vez mais caras. Além disso, mais do que a gratuitidade, o importante é a suficiência da oferta de transportes: não se correr o risco de esperar meia hora numa estação de comboios, depois um quarto de hora numa paragem de autocarros, e um largo etcoetera. Acresce que o automóvel privado só se irá tornando em grande parte surpérfluo na medida em que as políticas de emprego, de habitação e de criação de infraestruturas, nomeadamente escolares, vão criando mais alternativas, e mais próximas umas das outras, superando a dispersão da vida urbana.

Mas, abstraindo destes problemas, de que o BE não tem culpa, fica um outro, que é clássico na política do BE. Trata-se de saber se a melhoria dos transportes colectivos deve vir antes ou depois da criação da portagem de acesso a Lisboa (com resquícios feudais, perdoem-me o parêntesis). É que, se vier antes, ela constitui uma desejável oferta dissuasória e pode supor-se (um tanto abusivamente, mas enfim…) que apenas continuarão a entrar em Lisboa de automóvel aqueles trabalhadores demasiado enquistados na inércia duma cultura automobilística que entretanto deixou de justificar-se. E a taxa de acesso poderia, nessa hipótese muito teórica, parecer justificável. Ora, o BE não é claro em afirmar que a tal oferta dissuasória tem de preceder, obrigatoriamente, a taxa de acesso.

Nestas condições, a proposta, muito ambientalista sem dúvida, será suportada por novos sacrifícios da classe trabalhadora, em benefício da burguesia e da classe média mais abastada.


Comentários dos leitores

António Poeiras 19/5/2009, 16:03

No bloco já cheira aos palácios ministeriais!!!

Ismael Pires 23/5/2009, 21:44

As estações permanecem no imaginário colectivo como espaços de liberdade e de viagem. Das estações se parte e se chega mas é nas estações também, que se espera por alguém que nos é querido. Sempre as estações foram espaços de convivialidade, espaços onde se marcam encontros, onde se conversa enquanto se espera. E as estações cumprem esse papel de espaços públicos de liberdade e de encontro desde há séculos.
Ora liberdade e encontro são coisas que hoje parecem ser alvos a abater pelo pensamento dominante. Em vez da liberdade impõem-nos a segurança e em vez do encontro querem nos impor o medo. Não é por acaso que as estações são desde há anos objecto de desumanização.
Os senhores que nos vendiam os bilhetes têm vindo a ser substituído por máquinas. Hoje não são apenas os comboios que foram reduzidos, os horários de funcionamento que foram encurtados, as ofertas de viagem que foram drasticamente reduzidas fora dos horários normais de trabalho, as linhas de caminho de ferro que foram sendo encerradas. Existe todo um conjunto de pequenas e subtis alterações que têm sido ensaiadas ao longo de anos para desumanizar e desertificar as estações e para afastar as pessoas desses espaços de liberdade e encontro.
A última são as irritantes e perigosas portas de acesso que se abrem com um cartão electrónico e que estão a infernizar a vida dos moradores dos grandes centros urbanos. O Metro de Lisboa foi pioneiro na iniciativa em Lisboa mas nunca teve coragem de divulgar o número e o teor de protestos que já encheram livros e livros de reclamações. Nem nunca foi capaz de divulgar os números das pessoas feridas pelas irritantes portinholas que é incapaz de manter a funcionar em boas condições.
A Softlusa, responsável pelo atravessamento do Tejo, é outra das empresas que ganha inúmeras viagens fantasmas à custa do deficiente funcionamento do sistema se bem os seus torniquetes sejam eventualmente inócuos em termos de acidentes. Porque se o cliente activa o sistema e o torniquete não abre é certo e seguro que este volta a fazer nova tentativa e aí gasta mais uma viagem. Sai sempre a ganhar a casa ou seja a Softlusa.
Agora é a CP que está a instalar portas de acesso às estações na zona da grande Lisboa. Com o absurdo de ter um sistema de bilhética de tal forma irracional que precisa de ter imensos funcionários à volta das portinholas para encaminhar uns para um lado e outros para outro conforme usem o Lisboa Viva, o bilhete electrónico ou o simples bilhete de papel que também ainda existe. As estações estão progressivamente a encher-se de enormes placas de vidro para orientar os passageiros, como se de gado se tratasse, para a zona de acesso às gares através das portinholas.
E a CP num cúmulo de hipocrisia afixou mesmo cartazes onde diz que tudo isto está a ser feito para segurança dos passageiros. Mas que segurança? Por acaso já alguém pensou o que sucederá se uma multidão de pessoas procurar sair de emergência e em pânico de uma dessas estações? É certo e seguro que vai esmagar-se contra as placas de vidro ou atropelar-se e espezinhar-se entre as portinholas mesmo que elas tenham sido abertas de emergência.
Não. Isto não está a ser feito para a nossa segurança. Está a ser feito no interesse das empresas de transportes e das empresas que asseguram a colocação e funcionamento das portinholas como é por exemplo o caso da Siemens.
Por tudo isto têm o meu aplauso gestos como os que vi há dias. Imensas pessoas mostraram a sua indignação na estação de comboios do Cais Sodré tendo sido a PSP chamada a intervir. Ou ainda o exemplo daqueles jovens que dançaram e abanaram o rabo inutilizando várias portinholas de acesso ao metro também na estação do Cais Sodré . Mais ainda aplaudo a atitude daqueles, que sendo jovens, saltam sobre as vedações como se fossem hábeis jogadores do jogo do alho. Viva a Liberdade.


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