O buraco financeiro no Serviço Nacional de Saúde

Ismael Pires — 18 Dezembro 2008

Um dos aspectos mais curiosos no debate do Orçamento de Estado para 2009 foi o aparente desconhecimento, por parte do Governo, do défice no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A ministra Ana Jorge quando questionada meteu os pés pelas mãos até acabar por reconhecer que de facto desconhecia o seu valor exacto.

O secretário de estado Francisco Ramos, à boa maneira dos mentirosos quando não querem responder, atirou aos deputados com uma graçola: «é só fazer as contas». Sabendo de antemão que elas não podem ser feitas por não ser público o valor de algumas das parcelas da soma. Chegariam apenas estes pormenores para demonstrar que o orçamento para 2009 é uma ficção criada e mandada aprovar por Sócrates.

Agora o secretário de estado, num novo e brilhante passe de mágica, tira mais um coelho da cartola. Vai activar o Fundo de Apoio aos pagamentos do SNS. O capital passa a ser usado para conceder empréstimos aos hospitais que vão passar a pagar juros. Ou seja vai haver recurso a crédito bancário e as despesas que deveriam ser arcadas pelo orçamento actual passam para orçamentos futuros.

O tamanho real do «buraco financeiro» do SNS continuará uma incógnita para os portugueses mas não, obviamente, para o governo. Simplesmente a sua revelação mostraria o sub-financiamento crónico do SNS. E é exactamente isso que o governo não quer que seja público.

É que se nas palavras do governo a saúde dos portugueses está em primeiro lugar, nas acções e no financiamento ela sai sempre a perder. Basta ver que, o aumento de dotações estabelecido no orçamento para 2009, fica abaixo do valor previsto para a inflação. Ou seja o «buraco» vai aumentar ainda mais.

Esta falta de dinheiro, na lógica economicista do governo, justifica tudo. Justifica o encerramento de serviços, o encurtamento dos horários de funcionamento, a redução até níveis mínimos dos prestadores de cuidados, a dispensa de trabalhadores. Segundo dados do Ministério das Finanças, entre 2005 e o final de 2007, o Ministério da Saúde perdeu 12688 funcionários. Muitos médicos e enfermeiros migraram para o sector privado, que oferece agora melhores remunerações e condições de trabalho. É bom não esquecer que o crescimento dos hospitais privados e do mercado dos seguros de saúde se tem vindo a fazer à custa da degradação e do esvaziamento do sector público.

Em nome desta política de contenção de custos, muitas localidades do interior estão hoje sem serviços de saúde, o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) continua a deixar morrer gente sem socorro e espera-se e desespera-se em «listas de espera» infindáveis por cirurgias simples. É por causa desta política que os gastos em saúde para os doentes aumentaram. Não apenas em termos de taxas moderadoras mas até pelas alterações introduzidas nas comparticipações de medicamentos e nos exames complementares de diagnóstico.

Os portugueses em geral continuam a não ter um acesso digno aos cuidados saúde e são na maior parte das vezes atendidos em instalações que nada ficam a dever às de países subdesenvolvidos. Ora tudo isto acontece com a desculpa da falta de dinheiro.

Mas se o dinheiro falta para manter os serviços a funcionar decentemente não tem faltado para gastar em estudos de consultadoria e gestão encomendados sempre aos mesmos do costume. O Estado gastou 134 milhões de euros em consultadoria no ano de 2007. De todos os ministérios, o da Saúde foi o que maior crescimento destes gastos registou.

Os resultados destas políticas estão à vista de todos. A qualidade dos serviços de saúde em Portugal degradou-se aceleradamente nos dois últimos anos. Basta ler relatórios como os da insuspeita Health Consumer Powerhouse.

Quando se vê um governo injectar dinheiro nos bancos dos ricos especuladores para os salvar da falência ou preparar-se para investir milhões em obras faraónicas é bom que os portugueses saibam que para a saúde continua a não haver dinheiro. E que para pagarem as suas dívidas os hospitais vão agora contrair crédito e passar a pagar juros.

Pode até nunca se vir a saber o tamanho do «buraco financeiro» do Serviço Nacional de Saúde mas uma coisa é certa: este governo fez a sua opção de classe. Optou por ajudar os ricos e deixar os pobres entregues à sua sorte. O que se passa no sector da saúde é apenas um exemplo. Há mais.


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