O capital que nos espreita

António Louçã — 24 Junho 2008

nestlemonster.jpgEra um punhado de jovens, activistas da associação ATTAC em Lausanne, que tinha decidido investigar as actividades de uma das grandes multinacionais suíças: a Nestlé. O tema não era inocente, porque não se tratava de ver como eram feitas papinhas para criar bebés sorridentes, rosados e gordinhos. Da investigação não iria resultar um cliché de publicidade sobre a empresa que mata a fome às crianças do mundo.
Pelo contrário: tudo levava a crer que a Nestlé ficaria mal na fotografia, que a sua voracidade pelos lucros poderia ser relacionada com a destruição de recursos naturais, com a perseguição de sindicalistas latino-americanos, e em especial com a política de privatização da água.

Mas lá por a investigação ser preocupante para os administradores da Nestlé, isso não os autorizava a tratarem a ATTAC como potencial organização terrorista. Os tribunais e a polícia nunca poderiam, em todo o caso, fazê-lo.

A Nestlé não esteve portanto com meias medidas: encomendou à Securitas uma operação de espionagem. A Securitas, por sua vez, contratou uma jovem que se apresentou com um nome falso ao grupo de trabalho da ATTAC, manifestou interesse e assumiu tarefas na investigação, insinuou-se no círculo de amizades pessoais do grupo, frequentou as suas casas, obteve listas de endereços de correio electrónico e endereços postais.

Um belo dia, quando a investigação estava concluída e se preparava a sua publicação em livro, a infiltrada desapareceu. Agora, anos depois, o caso foi desmascarado. A Securitas confirmou a infiltração na ATTAC e a polícia do cantão de Vaud admitiu, embaraçada, que tinha conhecimento da sua existência. Segue-se um processo judicial contra a Nestlé e contra a Securitas, bem como uma responsabilização da polícia, promovida pelos grupos parlamentares da esquerda, por ter permitido que se desenvolvesse uma operação em que era violada a privacidade de cidadãos e cidadãs que nada fizeram senão procurar a verdade sobre as malfeitorias da Nestlé.

Entretanto, o sindicato da polícia suíça tomou posição num comunicado de imprensa considerando escandalosa a cumplicidade da polícia neste caso. No plano nacional, ao abrigo da lei de protecção de dados, foi exigido à Securitas o esclarecimento de todo o assunto e a chefe do Departamento da Polícia pediu igualmente contas. Vários partidos políticos e organizações, emitiram declarações e interpelaram o parlamento do cantão.


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