Democracia

João Bernardo — 17 Março 2008

Mário Pedrosa, nascido em 1901 e falecido em 1981, foi um marxista brasileiro, activo na ala esquerda do trotskismo, que deixou nome sobretudo como crítico de arte e promotor do vanguardismo estético. Ele escreveu uma obra política que, na minha opinião, se conta − ou devia contar-se − entre os clássicos do marxismo, A Opção Imperialista (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966), publicado já durante a ditadura militar. O Brasil é um enorme país, e como todos os países desta dimensão é muito provinciano, interessando-se quase exclusivamente pelo que se passa dentro das fronteiras. Ora, A Opção Imperialista é um estudo amplo, de carácter mundial. Decerto por este motivo o livro permanece esquecido no Brasil e, como não foi traduzido para inglês, é ignorado no resto do mundo.

Estes elogios não signifiam que eu esteja de acordo com tudo o que Mário Pedrosa escreveu, nem a questão do acordo é aqui importante. O fundamental é que, mesmo a respeito das teses de que discordo, Pedrosa me obriga a reflectir e a reformular os meus argumentos, e é isto, julgo eu, o mais que se deve pedir a um autor: que nos leve a pensar de novo, e por isso a mantermo-nos vivos.

A certa altura da obra (pág. 347) escreveu Mário Pedrosa: «Onde a liberdade individual é subjugada? No setor mais importante da vida moderna, no local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar aí a autocracia e a liberdade em outras partes?». Em palavras muito breves e muito simples, é este o fundamento da crítica às democracias parlamentares. Aqueles que nos acusam de não promovermos a ladaínha dos direitos do homem − refiro-me aos que o fazem de boa-fé, os outros não interessam − será que não se dão conta da enorme hipocrisia que consiste em mencionar a liberdade quando o comum da população passa a maior parte do seu tempo útil dentro de empresas regidas de maneira estritamente totalitária? Toda a democracia que não puser cobro ao autoritarismo empresarial, que não democratizar as relações de trabalho e que não der aos trabalhadores, enquanto colectivo, a possibilidade de mandar no seu trabalho em vez de obedecer aos patrões e aos administradores é um exercício fútil destinado a um fim de semana de quatro em quatro anos.


Comentários dos leitores

Paulo Marques 18/3/2008, 4:28

E o pior: há democracia na hora de apertar os botões ou colocar uma cédula na urna, a cada 4 anos? Ou estamos apenas a legitimar as decisões que já foram tomadas pelo poder econômico? As empresas financiam as campanhas, elegem seus candidatos, fazem seu programa de governo, em suma, quem menos governa nesta democracia representativa é o Estado, que não passa, na verdade, de um aparelhão de poder das empresas transnacionais.


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