Timor – quem ganha com a crise?

Pedro Goulart — 24 Fevereiro 2008

Tudo parece indicar que a recente crise em Timor-Leste vai conduzir a uma maior dependência militar, económica e política deste jovem país em relação à Austrália. E, por intermédio desta, ao domínio que os EUA procuram manter no sudeste asiático.

As acções desesperadas de Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, antigos peões e protegidos de Xanana Gusmão e Ramos Horta, são possivelmente o resultado de promessas não cumpridas da parte destes. De qualquer modo, ficou demonstrado de forma objectiva que o Estado timorense se sustenta cada vez mais da ajuda externa – o que no caso significa uma dependência em relação às potências que o cercam. E o vizinho australiano aproveitou logo a oportunidade para reforçar ali o seu contingente militar e a sua tutela política.

Recordemos os antecedentes. No segundo trimestre de 2006 foi desencadeada uma crise político-militar em Timor-Leste, tendo como figuras centrais da conspiração Xanana Gusmão e Ramos Horta e, como agentes, Alfredo Reinado e Gastão Salsinha, crise que iria levar à demissão do governo legítimo de Mari Alcatiri. A Fretilin era um forte obstáculo aos interesses australianos no petróleo de Timor, por isso havia que afastá-la do poder.

A propósito, dizíamos no número zero do MV, de Abril de 2007: “A execução deste golpe de estado (pois é disso que se trata), contra um governo que dispunha de legítima maioria parlamentar, foi levada a cabo pelos estrategas do imperialismo – por partes. Primeiro, o presidente Xanana Gusmão dividiu o governo em bons e maus ministros, forçando a demissão dos últimos. Depois, ajudado pela Procuradoria da República e pelo amigo americano Ramos Horta assim como pelos militares australianos, por alguns reaccionários civis e por homens da Igreja católica forçou a demissão de Alcatiri. Para o seu lugar, Xanana nomeou Ramos Horta. Alcatiri tinha-se tornado um obstáculo às ambições da Austrália e dos EUA por se mostrar duro na defesa dos interesses de Timor quanto à exploração do petróleo existente nas suas águas territoriais. Com a formação de um novo partido encabeçado por Xanana e a tentativa de eleger Ramos Horta para a presidência, desenha-se o caminho para fazer cair Timor, económica e politicamente, nas mãos da Austrália e dos EUA. Seria demasiado mau para o povo timorense assim como para todos aqueles que solidariamente lutaram por um Timor livre e independente”.

Efectivamente, Ramos-Horta tomou conta da presidência da república e Xanana Gusmão da chefia do governo, repartindo deste modo o poder retirado à Fretilin. Mas ficou por resolver a situação dos agentes visíveis do golpe. Contra as decisões judiciais, Alfredo Reinado e Gastão Salsinha continuaram em liberdade. O resultado foi o que agora se viu.

O governo português sabe o que está em causa em Timor: a transformação progressiva do país num protectorado da Austrália, e a apropriação dos seus recursos económicos pelo capital estrangeiro. Mas silencia esta questão de fundo para não beliscar a sua sistemática fidelidade aos “interesses ocidentais” de que, no caso, a Austrália (fortemente apoiada pelos EUA) é o representante na região.

Ao povo timorense não resta senão encontrar forças para resistir à nova ocupação. Cabe à opinião pública internacional denunciar mais esta tentativa de colonização.


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