Votos de bom ano de um jovem brasileiro aos seus amigos

30 Dezembro 2007

Meus amigos
Não fui atacado por nenhum cão de raça, destes que, todos os dias, colorem os jornais com a imagem de crianças estraçalhadas. Não fui atacado por «manos», «rappers» e outros devotos do ódio e do culto à violência. Não fui espancado pela polícia, não apanhei tabefes na cara e, que sorte, tampouco passei por interrogatórios. Meus vizinhos não se voltaram contra mim, nem contra nenhum dos meus. Minha casa não foi arrombada, não tive nenhum parente morto, não passei fome, nem sede, nem frio (pudera, a cidade onde vivo é quente para caramba). Não fui atropelado, nem me deram medicamentação errada num hospital, nem sequer precisei de passar por um. Não fui sequestrado pela CIA e, portanto, embora deseje muito sair um pouco do país, não conheci Guantánamo. Não fui agredido por corinthianos, palmeirenses ou são paulinos. Não desabou um prédio sobre mim, destes que matam operários aos milhares por ano sem que seja noticiado. O governo não me enxotou de casa para dar espaço a monstros e especulações imobiliárias. A classe média não me humilhou muito − ela tem-se tornado cada vez mais educada, que coisa! Os políticos continuaram roubando-me, dando-me ordens e vivendo à minha custa. Os patrões e gestores continuaram explorando-me e oprimindo-me, mas (aviso aos novatos e empolgados do momento) há milhares de anos, parece que é pedir demais. Apesar de tudo isto, algumas pessoas continuaram insistindo em não se deixar levar pelas correntes da barbárie e da cultura de morte que viceja em nossos dias: elas são o meu ponto de referência, mesmo que utopicamente. Não possuem nomes de grande sonoridade ou que despertem encantamentos do mundo mágico, não se chamam Marx, Bakunin, Meszáros ou coisa que o valha. São parte daquela vastidão anónima que tornam o mundo mais aceitável. Aproveito a situação, e a data maior para a remissão dos pecados, para desculpar-me dos meus erros e imprudências. São eles muito mais fruto da incapacidade e da imperfeição crónica do que de uma vontade deliberada, mais um lapso da razão do que uma intenção louvada. Mas o são. Há de se lembrar que se manter distante das corrente da barbárie tem sido cada vez mais difícil. Aos que permaneceram, ano após ano, praticamente intactos, vão as minhas congratulações. Viver tornou-se um acto de guerra. Os que alimentam e vicejam a esperança tornam materializável a frase de André Gide: «O mundo será salvo por poucos». Que em 2008 sejamos mais e sejamos melhores.
Ronan Gomes Gonçalves (Brasil)


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